terça-feira, 27 de agosto de 2013

Reunião de Serviço da Igreja 6

(O Caráter do Obreiro do Senhor, Watchman Nee, trechos capítulo 4)
ESMURRAR O CORPO E REDUZI-LO À ESCRAVIDÃO
PRIMEIRO
Ler 1 Coríntios 9:23-27
O versículo 23 diz: “Tudo faço por causa do evangelho”. Isso nos mostra que essa passagem tem a ver com o caminho de um pregador do evangelho, um servo do Senhor. O versículo 27 diz: “Esmurro o meu corpo e o reduzo à escravidão”. Esse é um requisito fundamental que um servo de Deus impõe a si mesmo.
...Todo servo de Deus deveria andar de acordo com uma regra básica: o corpo tem de ser subjugado. Se o corpo não for subjugado, ele não poderá servir a Deus...
SEGUNDO
O versículo 24 diz: “Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm?”. Paulo ilustrou sua afirmação como exemplo de um corredor numa competição. O serviço de um Cristão para o Senhor e sua labuta pelo Mestre podem ser comparados a uma corrida. Todos participam dessa corrida; isso é obrigatório. Ninguém pode ficar fora dela. “Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade, correm, mas só um leva o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis”. Somente um dos corredores em uma corrida recebe o prêmio. Mas, se todos nós corremos, todos podem receber o prêmio...
O versículo 25 diz: “Todo atleta em tudo se domina”. Essa é a ênfase de Paulo: Para competir, o homem tem de submeter-se ao treinamento e se dominar em tudo. Ele não pode comer quando bem entende nem deixar de comer quando quer; não pode dormir quando bem entende nem deixar de dormir quando quer...
...Todo servo de Deus precisa aprender a manter seu corpo sob seu domínio.
TERCEIRO
Não devemos pensar que certo grau de espiritualidade é tudo o que é necessário para nos engajar na obra do Senhor. Há ainda a questão do corpo. Paulo mostrou-nos o quanto esse problema é real. Não pergunto se temos um corpo saudável; pergunto se somos ou não Senhor dele. Será que ele nos obedecerá? Se não obedecer não poderemos servir a Deus no evangelho.
...Quando surge uma necessidade na obra e o corpo é obrigado a negar seus desejos, será que somos fortes o suficiente para negá-los? Sem dúvida, todos os desejos humanos são criados por Deus e nos são dados por Ele. Não há nada de errado com as exigências legítimas do corpo. Contudo, algumas delas nos impedem de servir ao nosso Senhor?
QUARTO
Os que são relaxados no viver não conseguem disciplinar-se com rigor e não podem servir a Deus. Se quisermos aprender a servir ao Senhor, temos de exercitar-nos, controlar-nos e dominar-nos todos os dias. Se o nosso amor pelo Senhor for forte o suficiente não nos deixaremos levar pelas exigências do corpo. Se o nosso espírito for forte o suficiente, não deixaremos que a carne permaneça na fraqueza.


segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Reunião de Serviço da Igreja 5



5º REUNIÃO DE IRMÃOS – IGREJA EM SÃO JOSÉ DO RIO PRETO 19-08-2013
(O Caráter do Obreiro do Senhor, Watchman Nee, trechos capítulo 3)
TER DISPOSIÇÃO PARA SOFRER
PRIMEIRO
Além dos traços de caráter já mencionados, todo obreiro cristão deveria ter disposição para sofrer (1 Pe 4:1). Isso é importante. Antes de considerar esse assunto de um ponto de vista positivo, consideremos primeiro o conceito cristão comum de sofrimento.
O ensino das Escrituras é muito claro: Deus não tem intenção que o seu povo sofra. Há certa filosofia que promove o sofrimento físico como meio de privar o corpo de todo o prazer. Os que defendem essa filosofia sustentam que toda forma de prazer é errada. Como obreiros do Senhor e seus representantes, devemos deixar claro que essa filosofia não deve passar pela mente de um cristão. A própria palavra de Deus declara que Deus não intenção que Seus filhos sofram. A Bíblia diz que Deus não nos privou de nada que fosse bom. O Salmos 23:1 diz: “O Senhor é o meu pastor; nada me faltará”. As palavras nada me faltará não significam que não teremos mais necessidades. Pelo contrário, significam que não temos que pedir nada porque o Senhor é o nosso Pastor. O Salmo 23 diz-nos que nada nos faltará quando tivermos o Senhor como nosso Pastor. Em outras palavras, Deus não intenta que nos falte alguma coisa. Sua intenção é que sejamos plenos. Ele não nos privou de nada que fosse bom. A Bíblia toda descreve-nos o cuidado amoroso do Senhor. Ele protegeu os Seus fielmente, aliviou suas angústias e dores, e traçou clara distinção entre o Seu povo e as nações. A terra de Gósen sempre foi diferente do restante do Egito; a benção de Deus sempre esteve ali. Nunca devemos introduzir algum tipo de filosofia ascética no cristianismo. Uma vez que introduzimos elementos não-cristãos no cristianismo, nós o confundimos. Devemos prestar atenção a esse ponto.
Dito isso, também devemos perceber que Deus não exime Seus filhos da provação ou do castigo; na verdade, Ele lhes dá provação e castigo. Entretanto, devemos distinguir claramente entre a provação e o castigo de Deus e as formas de asceticismo. Sob circunstâncias comuns, Deus sempre abençoa Seus filhos, cuida deles, sustenta-os e supre-os. Mas quando se fizer necessário que os castigue e prove, Ele não hesitará em fazê-lo. Isso não significa que Ele os prova todos os dias. Ele os castiga só quando há necessidade; não faz isso todo dia e a cada minuto. Ele não envia provações e castigo aos Seus filhos continuamente. Às vezes, Ele recorre a tais métodos, mas não insiste neles o tempo todo...
A que, então, as Escrituras se referem quando falam de sofrimento? Na Bíblia, o sofrimento refere-se a uma escolha deliberada que a pessoa faz diante do Senhor. O Senhor cuidou para que nossos dias fossem cheios de agradáveis bênçãos, mas, porque nós O servimos e somos Seus servos, optamos por um caminho de sofrimento. Por isso, o caminho do sofrimento é um caminho de escolha...
...De acordo com o plano de Deus, podemos evitar muitos sofrimentos. No entanto, porque O servimos, optamos, com alegria, por um caminho que é diferente do das pessoas comuns. É isso que significa ter disposição para sofrer; é uma necessidade fundamental no caráter de um servo de Deus, sem o que daremos poucos resultados em nossa obra, e a obra que fazemos será muito superficial em qualidade. Se um obreiro do Senhor não tiver disposição para sofrer, aos olhos de Deus ele não poderá trabalhar. Falemos algumas coisas relacionadas com esse tema.
SEGUNDO
Precisamos perceber que sofrer e ter disposição para sofrer são coisas diferentes. Ter disposição para sofrer implica que temos desejo de sofrer, de bom grado, por amor a Cristo; significa que temos coração e disposição de suportar a aflição por causa Dele. É isso que significa ter disposição para sofrer. Os que têm essa disposição não necessariamente sofram. Mas, na mente, estão preparados para enfrentar todos os sofrimentos com coragem. Por exemplo, o Senhor pode coloca-los em circunstâncias em que você tem comida, roupas e uma bela casa mobiliada. Não significa que você não pode continuar a desfrutar todas as provisões que Ele lhe tem dado. Se o Senhor fez tais provisões, você pode aceita-las como sendo do Senhor. Mas, no íntimo, você ainda tem disposição para sofrer. Embora você não sofra fisicamente, você deve ter essa disposição...
O problema é que muitos irmãos e irmãs, e muitas famílias de obreiros cristãos também, parecem recuar no momento em que lhes sobrevém a aflição. Eles não têm disposição para sofrer. Quando o Senhor lhes provê circunstâncias estáveis, abundância de bens materiais e boa saúde, ele podem servi-Lo com alegria. Mas, tão logo experimentem uma pequena diversidade ou aflição, todo o seu ser desfalece. Isso quer dizer que não têm disposição para sofrer. Sem disposição para sofrer, você não poderá resistir a nenhuma provação...
Devemos lembrar que nossa obra não está a nossa mercê. Temos de trabalhar quando há comida e também quando não há comida. Temos de trabalhar quando estamos adequadamente vestidos e também quando não estamos adequadamente vestidos. Temos de trabalhar quando nos sentimos felizes e também quando não nos sentimos à vontade. Temos de trabalhar quer estejamos bem de saúde ou adoentados. As Escrituras mostram-nos que devemos armar-nos com a disposição mental para sofrer; ou seja, nossa mente deve ser um arsenal, uma arma, para nós...
De acordo com o conceito natural, concluiríamos que um irmão que sofre muito conhece plenamente a graça de Deus, mas, muitas vezes, não recebemos nenhuma ajuda dele quando nos encontramos com ele. Podemos descobrir que lhe falta a disposição para sofrer; ele apenas sofre com relutância. Se lhe fosse dada uma opção, fugiria das provações no primeiro momento. Ele talvez sofra de fato, mas não se entregou ao sofrimento e passa por sua experiência com relutância; não aprendeu nenhuma lição diante do Senhor e está cheio de rebelião por dentro. Isso nos mostra que disposição para sofrer é muito diferente do sofrimento propriamente dito. O que o Senhor valoriza é a disposição para sofrer: a consciente prontidão para o sofrimento, e não a experiência do sofrimento em si.
TERCEIRO
Nenhum servo de Cristo pode determinar que irá trabalhar se o tempo estiver bom ou ficar em casa se chover. Se tivermos disposição para sofrer, desafiaremos as dificuldades, o sofrimento, a enfermidade física e até a morte. A disposição para sofrer encara o diabo e declara: “Continuarei, independentemente do que aconteça comigo!”. Se, no íntimo estivermos com medo de alguma coisa, Satanás irá ameaçar-nos com essa mesma coisa e, com isso, seremos vencidos...Todo servo de Deus deve estar bem preparado e não ter medo de nada. Devemos persistir quando isso ou aquilo acontecer, quando vierem provações à família ou doença ao corpo, e mesmo quando a fome ou o frio surgirem no caminho...
Irmãos e irmãs, devemos declarar ao Senhor: “Por causa do Teu amor e do poder da Tua graça, assumo o compromisso de fazer o que eu faço, sejam quais forem as consequências, no céu ou no inferno. Essa será a minha posição, que me considere apto para isso, que não!”. Se não tivermos tal disposição, Satanás irá aproveitar-se de nossas fraquezas e, por conseguinte, estaremos liquidados e provaremos que não servimos para nada. Devemos orar pedindo misericórdia para saber o que é ter disposição para sofrer...
QUARTO
Surge naturalmente uma pergunta: Até onde devemos estar preparados para sofrer? O padrão bíblico é: “Sê fiel até a morte” (Ap. 2:10)...
...Irmãos e irmãs, muitas falhas na obra são consequência da ociosidade, autodefesa e autopreservação do homem. Não devemos pensar que o mundo está cego ou os irmãos estão cegos. Quando começarmos o nosso trabalho, os outros verão se estamos totalmente consagrados. Se retivermos alguma coisa para nós mesmos e se assumirmos uma postura de concessões, os outros irão vê-lo. Irmãos e irmãs, quando o Senhor nos chama, ele quer que renunciemos a tudo. Que o Senhor nos conceda graça, e nenhum de nós valorize ou ame a própria vida da alma. Temos de aprender a não amar a nós mesmos ou compadecer-nos de nós mesmos. Esse é o nosso caminho. Se não seguirmos esse caminho, o nosso trabalho será muito limitado. O grau da nossa disposição para sofrer determina o montante de nossa obra espiritual que obteremos. Se a nossa disposição para sofrer for limitada, a nossa obra espiritual será limitada, o nosso abençoar os outros será limitado e o resultado de nossa obra também o será. Nenhuma outra medida da benção de Deus é tão preciosa quanto a nossa disposição para aceitar sofrimentos. Se a nossa disposição tiver capacidade ilimitada para sofrer, conheceremos a imensurável grandeza da benção de Deus.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Reunião de Serviço da Igreja 4



(O Caráter do Obreiro do Senhor, Watchman Nee, trechos capítulo 2)
AMAR OS HOMENS
PRIMEIRO
Todo obreiro do Senhor deve ter não só amor pelos irmãos, mas também por todos os homens. Salomão uma vez disse: “O que escarnece do pobre insulta ao que o criou” (Pv 17:5). Deus é o Criador de todos os homens; portanto, todo homem é digno de nosso amor. Um servo ou obreiro do Senhor não está apto para servi-Lo se lhe faltar o amor fraternal ou se só tiver o amor fraternal e lhe faltar o amor por todos os homens. Para servir a Deus ele deve ter amor por todos os homens, uma verdadeira afeição pelos homens. Todos os que consideram os homens enfadonhos, problemáticos ou desprezíveis não estão qualificados para ser servos de Deus. Devemos ver que, aos olhos de Deus, o homem foi criado por Ele, e, embora tenha caído, tornou-se objeto de redenção do Senhor...Ter interesse pelo homem é um requisito básico na vida de todo obreiro. Isso não significa que ele deve escolher certos indivíduos e desenvolver interesse somente por eles...Um obreiro do Senhor é um total fracasso, se reserva, de modo egoísta seu amor para seus irmãos. O amor fraternal não é o primeiro item da lista. É algo que se soma ao amor por todos os homens...Seu coração deve ser alargado a ponto de você amar todos e interessar-se por todos os homens. Visto que uma pessoa é um ser humano, você deve interessar-se por ela. Essa é a única forma de servir a Deus.
SEGUNDO
O Senhor Jesus disse: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mc 10:45). Em outras palavras Ele nunca pediu nada aos homens. Devemos interessar-nos pelos homens e considera-los objetos de nosso amor. Além disso, não devemos aproveitar-nos deles nem ser servidos por eles. Não devemos envergonhá-los nem ofendê-los. Não devemos sequer aceitar que nos sirvam. Irmãos e irmãs, anos de ensino condicionaram-nos a tratar todos os homens como nossos “semelhantes”, no entanto, não se trata de palavras, mas de sentimentos. Por exemplo, temos determinado sentimento por nossos irmãos. Sentimos que alguns são nossos irmãos e somos “igualmente irmãos” para eles. Mas posso perguntar se temos o sentimento para com todos os homens de que somos seus “semelhantes”? Temos sentimento de que eles são nossos próximos? Se não, não poderemos servir a Deus. Todos os servos do Senhor devem ter coração alargado. Seu coração deve ser tão grande a ponto de eles poderem incluir e abraçar todos os homens.
Irmãos e irmãs, não devemos aproveitar-nos dos outros de forma alguma. Um cristão deve perceber que é vergonhoso aproveitar-se dos irmãos. É errado aproveitar-nos dos irmãos, mas é igualmente errado aproveitar-se de qualquer pessoa. No que diz respeito a receber algo dos outros, a atitude básica do nosso Senhor é que Ele nunca, Se permitiu ser servido pelos homes. Ele não tinha a menor intenção de receber algo de alguém. Precisamos lembrar que nunca devemos aceitar, de modo egoísta, os serviços e a ministração dos outros às custas de seu sacrifício e perda...
Deus quer ver Seus servos com a capacidade aumentada e interessados em todos os homens. Essa é a única maneira de tornar-se uma pessoa generosa; essa é a única maneira de servir a Deus.
TERCEIRO
Marcos 10:45 diz que “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para ser servir e dar a Sua vida em resgate por muitos”...O Senhor Jesus veio à terra por causa do homem. De acordo com Marcos 10, Ele veio para servir os homens a ponto de dar a vida em resgate. O objetivo de Sua vida era servir os homens e, ao fazê-lo havia a necessidade de entregar a vida em resgate, e foi isso que Ele fez. Tornar-se um resgate foi o mais elevado e perfeito ato de Seu serviço aos homens. O Senhor não disse que o Filho veio somente para ser um resgate; disse que veio para “servir”. O objetivo era o serviço. Ele estava interessado no homem e o considerava precioso e digno de amor e serviço. Ele serviu os homens a tal ponto que supriu sua necessidade tornando-se seu Salvador. Essa é a razão por que deu a vida em resgate. Se pregarmos o evangelho do sacrifício do Senhor ao dar Sua vida em resgate sem ter o coração do Senhor voltado para o serviço, não estamos qualificados para ser chamados Seus obreiros. O homem deve ser amado.
...Pensamos que algumas pessoas são extremamente ignorantes enquanto outras são extremamente difíceis, mas esses problemas não devem impedir-nos de amá-las. Se houver amor, não haverá nenhum desdém pelo homem, e Deus irá levar-nos ao ponto em que assumiremos nossa posição como homens entre nossos semelhantes...A menos que nos humilhemos e cheguemos ao nível mais baixo, não poderemos servir a Deus. Devemos ser levados ao ponto mais baixo; nunca devemos sentir que somos melhores que os outros. Nenhum irmão ou irmã pode desprezar um homem de pouco conhecimento. Tal pessoa tem um lugar na criação de Deus; tem um lugar na redenção e no plano de Deus assim como você e eu. A única diferença entre nós e o homem não-salvo é que nós conhecemos o Senhor...Os pecados das pessoas nos fazem afastar-nos delas, mas ainda devemos ir a elas pelo amor que sentimos por elas. Com um coração tão dilatado, nós as conduziremos ao Senhor.
QUARTO
Ao lembrar que todo o servo de Deus tem as próprias características especiais e função para Deus, não devemos esquecer-nos de que, independentemente de quanto a função de alguém possa ser diferente, todos os verdadeiros servos de Deus são iguais nesse sentido: interessam-se muito pelas pessoas. Se um irmão tiver coração dilatado e interessar-se pelas pessoas, sua utilidade na mão de Deus aumentará consideravelmente. Irmãos e irmãs, temos de interessar-nos pelos homens...Se, em atitude ou conduta, desprezarmos alguém, seremos indignos de ser chamados servos de Deus. Se quisermos servir ao Senhor de modo adequado, não devemos desprezar nenhuma alma. Na verdade temos de aprender a ser servos de todos. Temos de aprender a prestar serviços aos outros em todas as coisas e a servi-los com coração disposto.
Muitas pessoas têm o hábito de desprezar os que, aparentemente, são inferiores a ela ao mesmo tempo em que elas bajulam os que, aparentemente, são melhores do que ela. É uma vergonha que haja tais coisas entre os obreiros de Deus. Não devemos desprezar os que, aparentemente, estão abaixo de nós de algum modo. Devemos considerar a posição de um homem segundo o valor de Deus. Se não lidarmos com essa questão, não poderemos servir a Deus. É maravilhoso e prazeroso quando percebemos o valor do homem. Se virmos como o Senhor morreu pelos homens, ecoará em nós o mesmo caráter que O levou a padecer tal morte pelos homens; sentiremos o que o Senhor sente e concluiremos que o homem merece todo o nosso amor e interesse. A menos que possamos fazer isso, não poderemos identificar-nos com o sentimento do Senhor e, com isso, não poderemos trabalhar para Ele.

RUTE UM CAMINHO PARA CRISTO



      


       Rute

                Um

            Caminho

                Para

      Cristo





Agradecimentos

  Agradeço ao Deus triúno por sua obra de alcançar-me na graça de nosso Senhor Jesus Cristo através do Seu Espírito, amém! Todo esse trabalho é resultado de um longo período de meditação na palavra de Deus; nada do que é abordado aqui procede da minha própria elucidação (2Pe 1:20); sendo assim devo confessar que a glória é toda de Deus e, em segundo lugar, confessar que nada disso seria possível se não estivesse sobre os ombros do único ministério da restauração do Senhor: a edificação do corpo de Cristo.
  Posso no máximo ter sido usado como um vaso de barro tosco e sem brilho em si mesmo, porém que Deus aprouve colocar nele um tesouro inestimável: O SEU FILHO JESUS CRISTO. É a glórias das glórias que Deus pudesse ter montado num “jumento” tão “xucro” como eu, porém não pude resistir porque o meu Senhor disse: “soltai-o e trazei-o” (Lc 19:30). É impossível não obedecermos a uma voz tão doce e tão cheia de graça.
  Antes que eu possa enumerar as razões que me levaram a escrever este livro, é necessário primeiramente dizer que a suma de toda revelação divina é: CRISTO e a IGREJA. Isso significa que devemos duvidar de qualquer interpretação bíblica que não tenha CRISTO e a IGREJA como centro. Nesse aspecto devemos ser “um” com o nosso amado irmão Whatman nee, que jamais ousou qualquer interpretação que não fosse embasada nesse grande mistério: CRISTO e a IGREJA. Na bíblia existem muitas verdades “colaterais”, porém, tudo deve cair dentro do “único vaso” que expressa o “único tesouro”, a saber: CRISTO e a IGREJA. É com muita reverência que exponho essa verdade, pois Deus sabe o quanto temo e tremo ao falar da “menina” dos Seus olhos: a Sua IGREJA GLORIOSA!!
  Para empreendermos uma interpretação correta de qualquer gênero literário precisamos conhecer a mente do autor. E essa regra não é exceção quando se interpreta os textos bíblicos. Em resumo, a “mente de Deus” é a mente mais misteriosa de todo o universo, porém, essa “mente” que é a “mente do Espírito” em Rm 8:27 e a “mente de Cristo” em 1Co 2:16, mesclou-se com o nosso espírito ( 1Co 6:17) quando nascemos de novo (Jo 3:6). Ter a “mente de Cristo” não significa que a nossa mente deve ser substituída pela Dele, e sim, que a nossa mente deve ser mesclada com a “mente de Cristo” que está em nosso espírito. A obra de Deus no homem não é “substituí-lo” por Deus, porém, “mesclá-lo” com Deus. Embasados nessas verdades vamos adentrar pelo “espírito” nas profundezas de Deus, ancorando a nossa mente muito além do véu a fim de compreendermos juntamente com “todos os santos” qual é a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que excede todo entendimento, para que sejamos tomados de “toda a plenitude” de Deus (Ef 3:18,19).         
  Esse comentário do livro de Rute não pretende esgotar todas as riquezas nele contidas; também o objetivo não é fazer uma mera exposição das escrituras, antes o meu foco é revelar a humanidade do livro, mostrando como Deus em Cristo de fato nos alcançou por meio de “cordas humanas” (Os 11:4). Sendo assim, “todo o velho testamento” é um prelúdio à encarnação de Cristo, que é o ponto máximo na economia de Deus, pois Cristo é Deus manifestado em carne (1Tm 3:15). Em segundo lugar mostrar que a cooperação do homem com Deus é fundamental para que a economia de Deus seja levada a cabo. Isso significa que no novo testamento o Deus que “tornou-se carne” também “tornou-se o Espírito que dá vida” (1Co 15:45) a fim de viver e “mover-se” a partir do “espírito mesclado” (1Co 6:17) do homem regenerado. Em terceiro lugar mostrar que o livre arbítrio do homem não é “pleno e total” (pois o homem jamais será participante da Deidade de Deus) e que ele foi criado com um propósito muito particular: Conter Deus em seu espírito. O livre arbítrio do homem está na esfera humana, sendo assim, há uma esfera divina que está sob a jurisdição de Deus somente. O livro de Jó mostra isso. Houve uma conferência entre Deus e Satanás e algo foi decidido em relação à vida de Jó, sem que ele soubesse ou pudesse interferir. Deus de maneira nenhuma violou a liberdade de Jó, porém Satanás acusou Deus de encher a vida de Jó de “bens” comprando assim a sua obediência. Acaso o homem pode servir a Deus gratuitamente mesmo cercado de miséria? Baseado nessa premissa Satanás pediu a permissão de Deus para provar o seu ponto de vista. Então Deus permitiu. Porém, Deus de maneira nenhuma violou a liberdade de Jó. O homem é parcialmente livre, nas coisas humanas ele deve gerir todas as coisas, porém nos assuntos divinos ele é limitado (pois o homem só tem o poder de cooperar com as coisas divinas e não determiná-las). Assim como Deus limitou-se ao assumir a figura humana, o homem também é limitado quando entra na esfera divina. Essa “coienerência” de mútua limitação de ambas as partes é que torna possível a união, a mescla e a incorporação do divino com o humano. Assim como não foi fácil para Deus que é ilimitado esperar trinta e três anos e meio para edificar-se como um homem normal (pois Deus precisou de muito mais tempo para edificar-se como homem do que para criar o universo), assim de igual modo também não é fácil para o homem edificar-se na divindade. Além da revelação central das escrituras que é CRISTO e a IGREJA, ou seja, Deus e o homem se tornando um “casal divino-humano” também veremos algumas verdades “colaterais” que fazem parte do processo de tornar o homem “um com Deus”. A obra da cruz é profundamente revelada no livro de Rute, sendo assim, veremos que para Deus levar a cabo Sua obra de transformar o homem em Sua “obra-prima” a cruz de Cristo precisa operar profundamente no homem. Só assim haverá uma maneira prática e viva para o homem ser conformado à imagem de Cristo. Espero que a luz contida no livro de Rute possa alcançar o nosso espírito e fazer com que vejamos que a humanidade de Cristo é o principal fundamento da “obra-prima” de Deus que é a: A NOVA JERUSALÉM, A COMPOSIÇÃO DOS REDIMIDOS E MESCLADOS COM DEUS.
  Sou um simples membro do corpo de Cristo e de maneira nenhuma tenho a intenção de colocar o meu próprio nome nesse livro, pois uma pessoa tão cheia de pecados como eu, certamente não é digna disso. Espero apenas que a verdade da palavra fale por si mesma e que mais uma vez um embrião dessa verdade tenha sido lançado. É claro que tudo o que podemos saber é apenas uma “parcela” e nada mais do que isso dentro do único corpo de Cristo que é a “multiforme sabedoria de Deus” (Ef 3:10).   Sendo assim, dedico a obra ao meu Senhor e Salvador Jesus Cristo que vive e reina para sempre. Amém!

Graça e paz da parte de Deus Pai mediante Jesus Cristo
Nosso Senhor que vive e há de reinar para todo sempre Amém!
                  
































Um breve esboço

Do

Livro de Rute

1.     O DEUS QUE SE OCULTA. Rt 1:1-5 é a abertura do livro. Essa abertura é trágica, porém é dessa parte escura da história que Deus brilhará. O ponto central do livro é a encarnação de Cristo que será possível através de cordas humanas (Os 11:4). Deus tornar-se homem para que o homem se torne Deus é o pensamento central do livro.
2.     O MILAGRE DE FALTAR PÃO NA CASA DO PÃO. Antes que Cristo nascesse em Belém da Judéia não havia  um pão verdadeiro que fosse capaz de alimentar a fome interior do homem. Sendo assim a falta de pão em Belém no tempo de Rute simboliza a falta de Cristo para o homem. Deus ao encarnar-se em Cristo providenciou ao homem um meio de salvação do pecado, dos pecados e também providenciou para o homem um alimento espiritual que é Ele mesmo em Cristo pelo Espírito sendo dispensado nas três partes (espírito, alma e corpo) do homem.
3.     O CAMINHO DA RESSURREIÇÃO: TRÊS MORTES PRODUZEM TRÊS VIÚVAS. Deus em Sua economia trabalha Cristo no homem por meio da cruz. O Espírito Santo usa a cruz de Cristo como a única instrumentalidade para transformar o homem à imagem e semelhança de Cristo. No livro de Rute fica claro o princípio de que a vida de ressurreição de Cristo só trabalha a partir da morte. Antes de participarmos do Espírito de poder do “pentecostes” precisamos nos unir a Cristo no “Gólgota”.
4.     A CASCA DO HOMEM EXTERIOR É QUEBRADA: A AMARGURA É EXPOSTA. O objetivo do operar da cruz é fazer o homem natural morrer. O objetivo do operar da cruz não é nos fazer sofrer e sim nos matar. Assim como Noemi também devemos ser levados a um ponto em que perdemos “toda a esperança” em nós mesmos. Quando o marido e os dois filhos de Noemi morreram, a esperança dela morreu junto. Esse é o operar da cruz. Enquanto haver um resquício de esperança em nós, Deus não poderá manifestar em nós a Sua vida de ressurreição.
5.     A CASCA DO HOMEM EXTERIOR É QUEBRADA: UM CAMINHO PARA CRISTO. Quando o operar da cruz atinge o seu objetivo então um caminho para Cristo se expressar em nós é aberto.
6.     BELÉM: CASA E PÃO. Através de Rute Noemi não apenas é provida de pão (alimento) e sim também de casa (família). O pão é uma figura de Cristo (Jo 6:35) e casa é uma figura da igreja. O pão representa Cristo como a corporificação de Deus, e a casa representa a igreja como o corpo de Cristo. Essas duas verdades são o mistério do evangelho e Deus deseja que todo homem conheça plenamente essas verdades (1Tm 2:4).
7.     CASUALIDADE: A ASSINATURA DE UM DEUS INVISÍVEL. Deus em Sua economia se move de uma maneira misteriosa. Casualmente Rute encontrou-se no campo de Boaz, aquele que posteriormente iria casar-se com ela e redimir o campo que pertencia a Elimeleque. Olhando de fora tudo isso parece uma obra do acaso, porém se conhecermos a economia de Deus nos daremos conta de que tudo coopera para o propósito de Deus. Deus tem uma roda dentro de outra roda (Ez 1:16) e o mover dessa roda às vezes atinge uma altura que mete medo (cf.v18). É verdade que essas rodas dão “cambotas” que às vezes ficamos assustados e perplexos, porém esse é o mover de Deus. Aqui nesse ponto precisamos até questionar o livre arbítrio do homem que Deus criou. Até as circunstâncias trabalham a favor de Deus, e isso é claro, revela a magnitude do mover das “rodas” da economia de Deus. O livro de Rute trás à tona a questão da soberania de Deus; diante de tudo isso precisamos investigar a liberdade que Deus outorgou ao homem. Como Deus é capaz de levar a Sua economia a cabo num mundo tão cheio de pecado, sem interferir na liberdade do homem? Fazem mais de dois mil anos que Cristo consumou a obra de redenção em favor do homem e prometeu voltar sem demora, porém, para que Ele possa voltar, a igreja precisa estar edificada; a palavra de Deus já está a vários séculos em poder do homem e ainda essa palavra não produziu o filho varão (Ap 12), além do mais, vemos muitas atividades externas no cristianismo, tem-se acumulado muita palha, muito feno e muita madeira, tudo o que existe é um grande volume de obras mortas e sem vida. No meio de tanta bagunça precisamos estar descansados debaixo das asas do altíssimo, e saber que Ele é soberano e que Ele mesmo em cooperação com o homem levará a cabo a Sua obra. A demora de Deus se deve ao fato de Ele mesmo estar confinado no homem. Quando o homem avança Deus avança. Quando o homem retrocede Deus retrocede. Soberanamente Deus determinou assim. Precisamos cooperar com Deus.
8.     RUTE UMA REBUSCADORA DE ESPIGAS. Deus determinou que houvesse um único ministério neotestamentário que é o ministério da edificação do corpo de Cristo (Ef 4:12). Rute trabalhando no campo de Boaz representa o nosso trabalhar no único campo da restauração do Senhor para edificar um único corpo de Cristo. As espigas representam as riquezas da vida de Cristo. Noemi foi sustentada apenas pelas espigas colhidas naquele campo, significando que devemos suprir as pessoas com as riquezas da vida de Cristo produzidas pelo único ministério. Depois da colheita Rute casou-se com Boaz. Hoje a igreja do Senhor vive num período de intensa colheita, colhendo espigas frescas a partir da obra consumada de Cristo no único ministério da restauração do Senhor e alimentando com elas a fome espiritual dos filhos de Deus. Por fim a igreja estará casada com Cristo.
9.     RUTE ACHA GRAÇA AOS OLHOS DE BOAZ. A igreja peregrina é contemplada por Cristo. Aos olhos de Cristo a igreja é sem mancha e sem ruga: ela é GLORIOSA. Essa também deve ser a nossa perspectiva. Aos olhos de Deus O que a igreja “faz” não é tão importante quanto aquilo que a igreja “é”: a igreja é a esposa do cordeiro. Isso é muito verdadeiro, porque quando amamos alguém o que essa pessoa faz não é tão significativo quanto aquilo que essa pessoa representa para nós. Essa porção do livro de Rute revela o quanto Cristo aprecia a Sua igreja.
10.A CONVERSÃO DE RUTE. O livro de Rute narra, acima de tudo, a história da conversão de uma gentia. O livro que precede o livro de Rute é o livro dos Juízes. Nesse livro podemos dizer que a rejeição dos filhos de Israel chega ao máximo; o último versículo do livro dos juízes conclui: “cada um fazia o que achava mais reto” (Jz 21:25). Essa situação aos olhos de Deus era o máximo da rejeição do seu povo. Deus precisava de alguém que abrisse caminho para o reino. É aí que Rute entra na história. Rute é uma figura da igreja, ela representa a plenitude dos gentios. O Senhor veio para o que era seu, porém os seus não o receberam (Jo 1:11). Mas, a “todos quantos o receberam...” ( Jo 1:12). De acordo com a palavra de Deus só há dois tipos de pessoas sobre a terra: os que não o recebem, e os que o recebem. Não há um grupo de pessoas intermediárias. Sendo assim, Rute é uma representante daqueles que recebem a Cristo. Deus esperava achar fé em Israel, porém o único que foi capaz crer foi Naamã, o Ciro. Havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, porém somente a viúva de Sarepta teve fé para acolher o homem de Deus. Assim também havia muitas filhas de Israel para que se casassem com os filhos de Noemi, porém Deus em seu arranjo soberano foi buscar uma “Moabita” na terra de Moabe. Na história de Rute vemos em sombra o mistério que esteve oculto dos séculos e das gerações: A Igreja. Esse livro é profético e nos mostra em sombras e figuras que o desejo de Deus era ter a igreja.
11.A CASTA AUDÁCIA DE RUTE EXPÕE O HOMEM NATURAL DE NOEMI. Nessa porção o homem natural de Noemi é exposto completamente. Aqui nos é revelado um tratamento adicional da cruz. Sempre temos um plano, uma “carta na manga”. Porém, precisamos ver que tudo está nas mãos Daquele “homem” e que Ele não “descansará” até que faça com que sejamos perfeitos na vida divina. Esse “homem” que é Cristo não “descansará” até que case com a igreja. Não precisamos “tramar nem um plano” nem um “atalho” para que isso aconteça. Só precisamos ser conduzidos pelo amor de Cristo e Ele nos conduzirá às suas recâmaras e ali desfrutaremos do Senhor. Só precisamos orar: “Leva-me após Ti” (Ct 1:4).
12.OLHANDO ABAIXO DA SUPERFÍCIE: O AMOR DE RUTE COBRE TODA FRAQUEZA DE NOEMI. A fraqueza de Noemi não é exposta de maneira explícita. Só percebemos a sua fraqueza através da castidade de Rute. A fragrância do amor de Rute é tão doce que não notamos o odor pútrido das obras da carne de Noemi. Se não conhecermos o amor de Cristo em sua largura, e comprimento, e altura, e profundidade (Ef 3:18) não seremos capazes de rescender uma fragrância doce de qualidade puramente divina.
13.ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS. No cerne do livro de Rute está o pensamento que governa o coração de Deus. A “terra” representada pelo campo de Elimeleque, e o “filho” gerado por Rute que representa Cristo gerado na igreja. Deus também deseja ter muitos filhos que sejam “irmãos” de Cristo (Rm 8:29) e que expulsem a Satanás e seus demônios e “dominem” a terra (Gn 1:26, Mt 6:10). O filho gerado por Rute é “Obed” que significa “servo”. Portanto Obed é um tipo de Cristo que veio para “servir” e dar a Sua vida para os homens. É importante notar que o filho varão em Ap 12 é uma reprodução em massa do próprio Cristo; num certo sentido a igreja hoje está gerando esse “Obed” que servirá a Deus expulsando Satanás do céu. Isso porque a igreja é um espelhamento de Cristo, sendo assim tudo o que está relacionado a Cristo nas profecias da bíblia também está relacionado à igreja. Tudo o que diz respeito à cabeça também atinge o corpo.
14.BOAZ: A FORÇA AMANSADA. Cristo para a igreja é o cordeiro de Deus. O cordeiro está relacionado com a graça. Toda vez que nos voltamos para Cristo nos deparamos com um cordeiro. Na era da graça esse cordeiro é manso e inofensivo. Porém, na era do reino Ele será o “leão” da tribo de Judá. Um leão é implacável. Nessa era Deus não agirá com graça e sim com justiça. A esfera do reino é uma esfera de justiça. O livro de Mateus que é um livro que aborda a justiça para o reino vem antes de Lucas que fala da graça. Isso significa que antes de ser graça, Deus é justiça. No novo testamento o rosto do leão aparece antes do rosto do cordeiro. Porém, não obstante Cristo seja o leão, ainda assim a força desse leão está amansada, pois para aqueles que amam a sua justiça hoje, Cristo será sempre o cordeiro.
15.A LEI É HUMANIZADA POR BOAZ. Aqui nós chegamos ao ápice da revelação da economia de Deus no livro de Rute. A lei é um retrato de Cristo que é a corporificação de Deus. A lei humanizada por Boaz representa a encarnação de Cristo. Em Cristo está também implícita a igreja. O mistério de Cristo e a igreja estão dentro de outro mistério: Deus manifestado em carne (1Tm 3:15). Essa é a economia de Deus: Deus se tornou homem para que o homem se torne Deus.
16.UMA PRÁXIS DE HUMANIDADE. Toda a bíblia concorre para um único propósito: Deus deseja fazer da humanidade criada a sua habitação pela eternidade. Por isso toda a revelação divina só atinge um ser em todo o universo: O HOMEM!  



Prólogo


     O livro de Rute é com certeza um livro cheio das expressões e riquezas da vida abundante de Cristo. O surpreendente nesse pequeno exemplar divino é a humanidade amorosa de um casal que se tornou pelos seus atos de justiça um canal para que a graça de Deus alcançasse os homens. O Deus triúno como o “O Deus que se oculta” não se limita a ser apenas um expectador do sofrimento humano; Ele próprio se fez homem em Cristo e tomou sobre si as nossas dores e pecados e todo o sofrimento humano e os colocou na cruz para sempre. É a atitude auto doadora de Deus na dádiva de seu próprio Filho que nos convence de que Ele não reterá nada de nós daquilo de que precisamos, e não permitirá que nada nos separe do Seu amor (cf.Rm 8:32,35-39). O livro de Rute abre caminho para que Deus em Cristo alcance o homem com Sua graça a fim de que Ele se torne o “nosso Emanuel” por meio da encarnação. Olhando por esta perspectiva o livro de Rute é um caminho preparatório para a encarnação de Cristo. O ponto de convergência desse livro é o próprio Cristo que surgirá de uma geração humana que o cultiva em seus corações. Quando Cristo se encarnou havia um grupo de pessoas aqui na terra que aguardava as promessas de um Salvador. É sempre assim, Cristo se revela sempre que um coração sedento se volta para Ele. Na eternidade passada Deus planejou uma relação divino-humana com o homem, um ser criado à Sua imagem e semelhança, e a nova Jerusalém é a consumação desse plano divino. O livro de Rute nos revela que a economia de Deus é que Deus em Cristo deseja ser formado no homem e assim cumprir o Seu plano divino de ser um com o homem criado. Como veremos o livro de Rute é um livro “todo bondade” que nos faz penetrar nas profundezas do Espírito de Deus e compreender os mistérios da Sua economia divina.



     O deus que se oculta

    O Deus triúno é sempre um Deus que se oculta. As ações de Deus quase sempre se manifestam por detrás dos acontecimentos humanos. Aqui não é diferente, o Deus que se oculta está nos bastidores da história como Aquele que vê e dirige toda a cena que se passa na terra. O Deus que se oculta é revelado através das ações dos homens que foram criados “com e para” o propósito de receberem o Deus triúno como o conteúdo e elemento constituinte de suas vidas. Uma vez que o homem foi criado “com e para” um propósito específico, então o seu criador pode “cercar” a sua liberdade (sem com isso violar a liberdade do homem), e limitar até mesmo as suas ações (não no próprio homem, e sim nas circunstâncias deixando assim o homem livre para decidir) a fim de reconduzi-lo ao propósito para o qual ele foi criado. Acaso pode o vaso discutir com o oleiro? (cf.Rm 9:20). Nesse livro o direito soberano de Deus sobre o homem é revelado. Isso significa que só há liberdade verdadeira para o homem quando este cumpre o propósito para o qual foi criado. Esta é a base legal de Deus que o permite intervir na história do homem. Esta é a base sobre a qual Ele pôde encarnar-se. O Deus triúno pôde revestir-se da humanidade por que Ele é o Senhor e Criador do homem. É claro, se darmos importância demasiada ao direito legal de Deus sobre o homem não tocaremos as profundezas desse livro. É necessário um equilíbrio. Isso significa que Deus jamais agirá sem a cooperação ativa do homem. A revelação intrínseca no livro de Rute é a mescla da humanidade com a divindade; é claro que isto está subtendido no âmago do livro, não é uma revelação superficial o que significa que precisamos tocar o Espírito em vez da letra preta no papel branco. Deus não criou o homem apenas para ter direito legal sobre o homem, antes Deus o criou para que “Deus e o homem” o “homem e Deus” fosse um casal universal por toda a eternidade. Isso significa que quando Deus criou o homem Ele criou um “corpo para si mesmo”. Isso é profundo e misterioso. Precisamos perceber que por toda a extensão das escrituras é as ações dos homens que fazem emergir as ações de Deus. É claro que a ação do homem não antecede a ação de Deus, pois Deus é Quem está sempre no “leme” do barco. “Tudo é Dele, por Ele e para Ele” (cf.Rm 11:36), porém é preciso notar que a ação do homem é a única alavanca que pode fazer com que Deus se mova em Sua economia. Num certo sentido o “ilimitado” está sujeito ao “limitado”. O próprio Deus limitou-se quando se encarnou em Seu filho e foi reconhecido em figura humana; sendo assim, o princípio da “encarnação” foi estabelecido como algo central na economia de Deus. Nem mesmo Deus poderá anular esse princípio. Isso significa que a cooperação do homem é imprescindível para que Deus possa levar a Sua vontade a cabo. Baseados no princípio da encarnação podemos afirmar que a importância do homem para Deus é de uma particularidade muito singular.  
    O Deus que se oculta sempre se ocultará por detrás do homem. O homem será por fim o esconderijo eterno de Deus. E Deus será por fim o refúgio eterno do homem. Criador e criatura por fim partilharão da mesma morada eternamente. A nova Jerusalém será nada mais do que uma morada mútua entre Deus e homem por toda a eternidade. No livro de Rute Deus aparece apenas nos lábios dos protagonistas. Deus neste livro refugia-se por detrás do invocar da alma angustiada. Deus é balbuciado por lábios cheios de amarguras e tristezas. No entanto os homens protagonizam na terra enquanto o Deus que se oculta observa o momento propício para que Ele possa entrar em cena. O que O fará reagir é um coração de uma mulher estranha à raça eleita. Até mesmo uma mulher representante de um povo amaldiçoado. Esse coração desperta em Deus uma vontade infinita de buscá-lo. Lá do céu onde Deus habita em luz inacessível (cf.1Tm 6:16) Ele vê um coração desperto para Ele, e ainda que este coração seja estranho a sua promessa ele é amável e querido ao Seu propósito eterno. É este coração que nos faz entender o salmo 87:
                 Fundada por Ele sobre os montes santos,
                 O Senhor ama as portas de Sião
                 Mais do que as habitações todas de Jacó.
                 Gloriosas coisas se têm dito de ti,
                 Ó cidade de Deus!
                 Dentre os que me conhecem,
                 Farei menção de Raabe e da Babilônia;
                 Eis aí Filístia e Tiro com Etiópia;
                 Lá, nasceram.
                 E com respeito a Sião se dirá:
                 Este e aquele nasceram nela;
                 E o próprio Altíssimo a estabelecerá.
                 O Senhor, ao registrar os povos, dirá:
                 Este nasceu lá.
                 Todos os cantores,
                 Saltando de júbilo, entoarão:
                 Todas as minhas fontes são em ti.

      Este salmo é muito profundo. Ele mostra a inclusão dos “gentios” na salvação de Deus. “Babilônia”, “Filístia”, “Tiro com Etiópia” são aqui parte de Sião. Esses povos serão registrados por Deus como sendo aqueles que nasceram em Sião. Isso é maravilhoso. Com certeza Rute, uma Moabita tem parte na Sião celestial. O Deus que se oculta está oculto não apenas por detrás de um acontecimento ocasional; Ele é encontrado também no segredo de um coração penitente e singelo. Até mesmo nas dobras de uma vida anônima e sem aparência. O Deus que se oculta desprezou o luxo de um palácio para nascer num estábulo e ser posto numa simples manjedoura. A nossa mente humana não consegue compreender tamanha humildade e graça. Resta-nos apenas crer e desfrutar de tamanha misericórdia! Aqui não é diferente, o Deus que se oculta busca numa mulher Moabita um coração que Ele não encontrou nem mesmo entre as filhas de Israel. Rute foi aquela que abrigou em si não apenas uma linhagem que culminaria em Cristo, mas também foi aquela que gerou em seu coração e alma um elo divino com Cristo eternamente. O Deus que se oculta sempre buscará ocultar-se no âmago dos corações sedentos por Ele. Eis a história de Rute: uma Moabita que conquistou o coração de Deus!
























O milagre de faltar pão       na casa do pão

    O livro de Rute relata uma história contemporânea à época dos Juízes. Porém em seu conteúdo fica subtendido que se trata de um livro de transição. No último versículo do livro precedente somos informados: “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto.” O livro de Rute termina com uma genealogia que culmina em Davi. “Davi” é a última palavra neste livro, e isto é muito significativo. Rute é o caminho que introduz a era dos reis. Na época dos Juízes cada um fazia o que “achava mais reto”. Deus precisava introduzir o reino, e para isto Ele precisava de alguém que pudesse mudar aquela era. O governo de Deus precisava ser estabelecido. Portanto o livro de Rute é um livro transitório. Esta perspectiva nos ajudará compreender este livro.
   Elimeleque junto com sua família vivia tranquilamente em Belém. Tudo estava em paz e tudo ia bem. Porém somos informados na abertura deste livro de que “houve fome na terra” (cf.Rt 1:1). Essa fome foi tão grave que forçou Elimeleque e sua família a buscar pão na terra de Moabe. Assim Elimeleque tornou-se estrangeiro numa terra estranha! Longe de seu povo e de sua língua aventurou-se até que expirou. Triste fim para um herdeiro da promessa: morreu longe de sua terra natal e ainda no meio de um povo estranho! Deixou a esposa com dois filhos... Ao léu de uma terra amaldiçoada e longínqua!
    Daqui em diante começa o drama de Noemi e seus dois filhos: Malom e Quiliom. A dor de ter perdido o marido mais tarde se intensificaria ao perder também os filhos. Triste destino de uma família. Antes que isso acontecesse os seus dois filhos tomaram por mulheres duas moabitas: uma chamada Orfa e a outra Rute.
    A curta história dessa família chega ao fim quando os filhos de Noemi também morrem. Não temos na narrativa nenhuma informação adicional a respeito dessas mortes, a causa não é revelada. O mistério dessas mortes revela o caráter insondável das engrenagens das rodas da economia de Deus, pois Deus tem rodas girando dentro de outras rodas (cf.Ez 1:16).
   O sol que nasce brilhante e esplendoroso nem sempre aparece brilhante todo o dia; às vezes alguma neblina que sobe da terra ou até mesmo algumas nuvens vem para por algum tempo ofuscar o seu brilho. É certo que o sol em si mesmo nunca deixa de brilhar, ainda que esteja encoberto temporariamente por algo externo. Assim é o caso de Noemi; o sol da sua vida ocultou-se por alguns instantes por detrás de densas nuvens negras, porém como veremos ao dissipar as nuvens o sol reaparecerá ainda mais brilhante.
   A nossa narrativa em eu início parece desprovida de sentido. Pois é em Belém (que significa: “casa do pão”) que faltou pão. Esse arranjo só pode ser divino; se virmos com olhos espirituais esse fato, veremos a mão soberana de Deus conduzindo a situação. Sempre quando estamos diante de uma situação que não entendemos, devemos perceber a “mão divina” que trata conosco. O nome “Belém” em sua raiz hebraica também significa “família”. Isso é muito significativo. Noemi quando habitava em Belém com sua família, faltou-lhe o pão. Agora em Moabe foi provida de pão, porém perdeu sua família. Em Belém tinha família e não tinha pão, em Moabe tinha pão, porém perdeu a família. Que situação!
  Faltar pão na “casa do pão” foi um milagre. É sempre assim, Deus prova o homem antes de aprová-lo. Deus permitiu que faltasse pão a Abraão na terra da promessa! Não foi diferente com Isaque e nem Jacó. A aparente contradição entre o espiritual e o terreno reside dentro do homem. Somente o olhar da fé pode nivelar os dois planos.
  É interessante notar que Deus alcançou Rute através da fome em Belém. Enquanto Elimeleque e sua família careciam de pão em Belém, Rute era sustentada secretamente em Moabe. Enquanto Elimeleque e sua família padecia fome em Belém, Deus também estava com fome, porém somente um coração que estava na terra de Moabe poderia alimentá-lo. A fome de Deus também precisava ser saciada!
  Temos aqui dois milagres: o de não haver pão na “casa do pão” e o de haver um coração faminto por Deus em Moabe.  

























O caminho da ressurreição:
Três mortes produzem três viúvas

    Em Gênises 3 a morte entrou no homem. O poder da morte é o mais forte inimigo dos homens. Porém, Deus em Sua sabedoria fez da morte o caminho para vida. É por meio da morte que Cristo venceu a própria morte; Cristo venceu o maior inimigo do homem no próprio terreno da morte. No livro de Rute três mortes produzem três viúvas; três mortes abrem este livro de uma maneira trágica e triste. É sempre assim, a morte abre e destranca a vida latente que está na semente (cf.Jo 12:24). A morte entrou na humanidade, e agora Deus trabalha com a própria morte no terreno da própria morte. Satanás tem liberdade de chegar até a morte; Deus trabalha além dela. Toda obra de satanás termina com a morte; Deus começa “com e a partir da morte”.
   A família de Elimeleque no livro de Rute representa a degradação de todo o povo de Israel. Aos olhos de Deus todo o povo de Israel estava degradado. A expressão “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava mais reto”(cf.Jz 21:25) revela a situação do povo de Israel aos olhos de Deus. O nome “Elimeleque” significa “Deus é meu Rei”, porém esse nome era apenas um nome sem realidade, pois Elimeleque vivia de acordo com aquilo que “achava mais reto”. Deus não reinava em sua vida, ele apenas ostentava um nome de fachada. Os seus filhos, Malom e Quiliom representam a condição interior do povo de Israel. Através do significado de seus nomes é possível diagnosticar os males espirituais do povo de Israel. Malom significa “doença” ou “adoentado”; Quiliom significa “definhamento” ou “ruína acabada”. O povo de Israel aos olhos de Deus estava doente, definhado e arruinado. Talvez os filhos de Elimeleque nascessem debilitados em sua saúde, este pode ter sido o motivo de receberem nomes dessa natureza. Seja como for o caso, a questão é que eles se tornaram uma grande parábola nessa narrativa. Noemi é que sofrerá a maior dor, pois ao perder o marido e os filhos ficará totalmente desamparada. Noemi representa a falta de esperança de Israel produzida pela situação de morte que eles estavam. Por fim Noemi representa o homem natural que por fora aparenta “doçura” (a raiz hebraica do nome “Noemi” significa “doçura”) porém quando a casca natural é quebrada toda a sua “amargura” é exposta. Até aqui vimos que a morte reina já desde a abertura desse livro, porém como veremos essas mortes são apenas instrumentos nas mãos Daquele que “Cria tanto as trevas como a luz” (cf.Is 45:7).
    Deus tinha o propósito de chegar a Rute. Deus moverá céus e terra para chegar ao coração de quem lhe agrada. “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus; daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (cf.Rm 8:28). “Todas as coisas” inclui a morte também. Aleluia! Até a morte tornou-se cooperadora de Deus!
    O inverno sempre antecede a primavera. No inverno muitas formas de vida são reduzidas, principalmente as vidas “adoentadas” e “definhadas”. Na abertura desse livro o inverno ceifa três vidas frágeis, sendo duas arruinadas e uma sem raiz profunda. A expiração de três homens funde-se com a vida que sobressai na primavera; o capítulo 1 de Rute começa com um inverno ceifando algumas vidas e termina com a ressurreição representada pela sega da cevada. Começa com inverno e termina com primavera. Começa com morte e termina com vida. A morte fará emergir um novo nascimento que culminará em Cristo. O livro que começa em meio a uma situação de morte terminará com uma genealogia aberta a um futuro glorioso e promissor.







A casca do homem exterior é quebrada:
A amargura é exposta

   Já vimos que aos olhos de Deus só há um caminho para a ressurreição: a morte. Abraão retardou em vários anos o chamamento de Deus por causa de seu pai. Porém, um dia a morte de seu pai “Terá” (que significa “retardador”) em Padã-Harã, providenciou a Abraão a oportunidade de obedecer ao chamamento de Deus. É sempre assim, a morte é um “mal necessário” à economia divina.
   Rute 1:1-5 é uma porção trágica, porém necessária a economia de Deus. O versículo 6 diz: “...Então, se dispôs ela com as suas noras e voltou da terra de Moabe, porquanto, nesta, ouviu que o Senhor se lembrara do seu povo, dando-lhe pão.” Aqui o Senhor é lembrado por Noemi de maneira indireta; ela “ouviu” na terra de Moabe que o Senhor se “lembrara do seu povo, dando-lhe pão”. O homem natural sempre se move de acordo com suas necessidades físicas. Noemi não recebeu um chamado direto do Senhor para voltar a sua terra; Noemi andava somente por meio de seus sentidos externos, por isso ela só pôde “ouvir da boca dos outros” aquilo que Deus estava fazendo em Belém. Os olhos de Noemi estavam postos apenas na sua “dor e subsistência”. Sendo assim não tinha ouvidos internos para ouvir os sussurros de um Deus vivo que nunca dorme. Sem marido e sem filhos lhe ocorria um medo voraz de ficar desamparada e sem sustento. Pois agora quem lhe sustentaria? As suas noras uma vez que seus maridos morreram, estavam livres para construir  outra família. Elas tinham direito legal para isso. Atrás de si Noemi contemplava três mortes, e a sua frente um futuro desconhecido. Não devemos de maneira nenhuma condenar Noemi, e sim através de sua experiência olhar para nós mesmos. Esta porção da palavra não é compreendida pela capacidade intelectual da mente, precisamos ir do texto para nossa própria experiência com o Senhor. Assim veremos que em nossa experiência muitas vezes é o “alqueire que encobre a nossa luz” quando a luz é que deveria estar sobre o velador (cf.Mt 5:15). Que o Senhor tenha misericórdia de nós!
   Não pense que tudo estará bem o tempo todo, às vezes em dias calmos sobrevém repentinamente uma tempestade. Não é assim a experiência? Noemi de repente encontrou-se numa situação que estava além do seu controle. A razão é que a azeitona precisava ser premida, o nardo esmagado e a uva pisada. O óleo, a fragrância e o vinho surgem do processo natural do esmagamento e da quebra. O ouro tirado das rochas precisa ir ao fogo antes de adornar o rei no palácio.
    Noemi que outrora estava “cheia e ditosa” (cf.Rt 1:21) agora gemia em seu íntimo sem esperança (cf.Rt 1:12). Noemi não compreendia nada do que lhe acontecia, não tinha olhos para ver a “mão oculta e soberana que tratava” com ela. Olhava apenas para sua dor e o seu sustento. O egocentrismo de Noemi é exposto através da sua dor. À sombra de Noemi está Rute, a “amiga” ( esse é o significado de seu nome) que posteriormente será o amparo de Noemi.            
  Cheia de dor Noemi tenta consolar as suas noras. “Disse-lhes Noemi: Ide, voltai cada uma à casa de sua mãe; e o Senhor use convosco de benevolência...” (cf.Rt 1:8a) depois dirá: “...Grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso... E o Todo-Poderoso me tem afligido...”(cf.Rt 1:20-21). Para Noemi Deus era Aquele que a “afligia e a amargurava”, e para suas noras Deus seria Aquele que usaria de “benevolência”. Parece que Somente Noemi era a “vítima” da situação. Tudo estaria bem se tão somente ela estivesse bem. Acaso, nós também não somos assim?
    Noemi segue olhando apenas para si mesma. Quanto mais olha para si mesma, mais a sua amargura é exposta. Ela contempla Deus somente através da sua dor, quando deveria contemplar a sua dor através de Deus. Mas nós somos assim, não somos nenhuma exceção!
    Em sua maneira de expressar Noemi deixa claro o mesmo pensamento de Jó: “Deus se ri do desespero do inocente” (cf.Jó 9:23). Assim Deus é retratado por ela como um “sadista cósmico” que não se importa com o sofrimento dos homens. Porém, louvado seja Deus pela cruz que desfaz em pedaços essa caricatura sádica de Deus. Não devemos vê-lo numa “cadeira de balanço” contemplando o sofrimento dos homens, e sim devemos contemplá-lo numa “cruz”. O Deus que nos permite sofrer, Ele próprio uma vez sofreu em Cristo, e continua a sofrer conosco em favor de seu corpo que é a igreja (cf.Ef 1:23). Posteriormente veremos que Noemi em seu cuidado natural consigo mesma envolverá Rute numa trama que levará a cabo a economia de Deus. Graças ao coração casto de Rute os “planos de Noemi” cooperarão para o propósito de Deus e redundará em louvor para Israel. Aqui fica claro que “todas as coisas” cooperam para o bem daqueles que amam a Deus (cf.Rm8:28). Agora vamos contemplar Noemi através dos olhos “cheios de amor” de Rute.
   Que fique claro que a intenção aqui não depreciar Noemi, e sim ver através da sua alma o que se passa com a nossa própria alma. Noemi disse às suas noras: “O Senhor vos dê que sejais felizes, cada uma em casa do seu marido. E beijou-as. Elas, porém, choraram em alta voz e lhe disseram: não! Iremos contigo ao teu povo.” (cf.Rt 1:9-10) Noemi já era velha e aqui ela olha para o futuro das suas jovens noras com um certo saudosismo da sua própria juventude. Noemi as beija, porém em seu âmago ainda está voltada para sua própria dor. O desespero de Noemi doía dentro da alma de Rute como se um lago cristalino refletisse a sombra negra de uma nuvem escura no céu. Orfa também chorou a desventura de sua sogra, mas em seu choro não havia a mesma condescendência de Rute. Orfa até expressou bom ânimo em querer ir ao povo de Noemi, porém um ânimo sem ousadia. Uma vontade fraca como de uma pessoa desiludida pelos reveses da vida. Ela era o oposto de Rute que estava disposta a nadar contra todo tipo de corrente contrária ao seu destino. É certo que Orfa não poderia seguir sua sogra apenas possuindo um “espírito de ousadia”, pois além dessa virtude aqui se requere um afeto humano extraordinário. Orfa também amava sua sogra, porém não com a mesma intensidade de Rute. A verdadeira fé de Rute é vista através de seu amor por Noemi. A grande fé de Rute produziu também um grande “abandono de si mesma” pela “causa” do próximo. Toda a amargura que pudesse ser expelida da boca de Noemi jamais ofuscaria o amor que procede de um coração puro como o de Rute. Observe como Noemi ofende suas noras ao insinuar que por “causa” delas o Senhor a afligira: “Voltai, minhas filhas! Por que Iríeis comigo? Tenho eu ainda no ventre filhos, para que vos sejam por maridos? Tornai, filhas minhas! Ide-vos embora, porque sou velha demais para ter marido. Ainda quando eu dissesse: Tenho esperança ou ainda que esta noite tivesse marido e houvesse filhos, esperá-lo-íeis até que viessem a ser grandes? Abster-vos-íeis de tomardes marido? Não, filhas minhas! Porque, por vossa causa, a mim me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim a sua mão.” (cf.Rt 1:11-13). Já no fim de sua queixa Noemi destila o fel que irá expulsar Orfa de sua presença: “Por vossa causa, a mim me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim a sua mão”. No auge da sua dor Noemi dissera que a causa da sua amargura era suas noras, e que “por causa delas” o Senhor havia descarregado contra ela a sua mão. Foi difícil para Orfa ouvir semelhantes palavras. Noemi expõe toda a amargura de sua alma. Presa e cega pela sua dor, pela sua falta dos filhos, pelo seu estar privada do que tinha antes, Noemi fere as próprias pessoas que se condoeram da sua dor e ainda à semelhança de Jó molda todas as suas acusações contra Deus (cf.Rt 1:20-21). Para Noemi a sua desventura era porque seus filhos tomaram esposas gentias e agora Deus estava punindo ela. É através de Rute que Deus mostrará a Noemi que as suas suspeitas são infundadas, pois é através de Rute, uma “gentia” que Ele suscitará um rei em Israel.
  Orfa ouvindo tais palavras beija a sua sogra e se vai. Rute, porém, se apega a Noemi e fica com ela (cf.Rt 1:14). Se Orfa usando do seu direito volta ao seu povo, Rute “abre mão do seu direito” para estar do lado de sua sogra inconsolada. Rute não foi impassiva com relação ao sofrimento de Noemi, antes ela se uniu aos sofrimentos de sua sogra, e muito mais do que isso, ela fez do povo de Noemi o seu povo e do seu Deus o Deus dela. A resposta de Rute à dor de sua sogra foi: “Onde quer que morreres, morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa que não seja a morte me separar de ti.” (Rt 1:17). Rute a “amiga” da alma de Noemi certamente não se escandalizou com o falar amargo de uma viúva desconsolada. Ela se condoeu de sua dor. A Orfa talvez fosse fácil ir e colorir a sua existência longe do passado, porém a Rute era impossível se desvencilhar do amor que ela tinha por sua sogra. Aqui não devemos de maneira nenhuma “divinizar” o amor de Rute por Noemi, e sim “humanizá-lo”. O que chama a atenção aqui é o amor humaníssimo de uma mulher que mesmo em sofrimento deixa tudo para consolar uma desamparada. A humanidade das protagonistas é que merecem o destaque dessa narrativa. É a humanidade de Rute e Boaz que tornará possível a preparação para a posterior encarnação de Cristo. A humanidade genuína dessa história é o ponto de convergência de toda a narrativa que culminará em uma genealogia da qual descenderá o Cristo. Com certeza o fator humano é o veículo que Deus usará para levar a cabo a sua economia, e é exatamente isso que é extraordinário nesse pequeno exemplar divino.














A casca do homem exterior
É QUEBRADA:
O CAMINHO PARA Cristo

    O livro de Rute em sua redação culminante e final termina com uma genealogia, portanto com uma abertura para o futuro. A última palavra no livro é “Davi” (cf.Rt 4:22). E isso nos faz compreender que o propósito de Deus é dar vida a um futuro quando o presente está sob o signo do fim, é aplanar um caminho para o nascimento de um rei, de um “Davi”, numa história que, desde os primeiros compassos, vê o triunfo da morte (cf.Rt 1:1-5). E não só da morte física, no sentido da morte de Elimeleque, Malom e Quiliom, o marido e os dois filhos de Noemi (cf.Rt 1:3-5), mas da morte da própria esperança de Noemi. Porém, Noemi moída e quebrada pela sua dor chega à conclusão de que em si mesma não há possibilidade de esperança. Diz abertamente as suas noras: “sou velha de mais” (cf.Rt 1:12), e é aqui que a sua confissão de “impossibilidade” dá a Deus a oportunidade de intervir. A casca do homem exterior havia se partido e já começava liberar a fragrância de uma alma rendida e contrita. Noemi não tinha possibilidade de assegurar nem mesmo o seu próprio futuro. Mas não foi assim a Abraão e Sara? Deus os abençoou com “Isaque” somente quando eles chegaram ao fim das suas “possibilidades”.
   E é justamente a essa mulher sem possibilidade de futuro que Rute se apega. Além do mais se apega a uma mulher amargurada e aquebrantada. Rute está agora aos pés de uma mulher com um futuro totalmente fechado: “Não me chameis Noemi! Chamai-me Mara, porque o Todo-Poderoso encheu-me de amargura. Parti Ditosa ( com as mãos cheias ) e o Senhor me fez voltar pobre ( de mãos vazias )...”(cf.Rt 1:21) O destino de Noemi havia sofrido uma reviravolta, e é a essa mulher que Rute mostra toda a sua solidariedade. Noemi declara que o Senhor a fez voltar de “mãos vazias” e se esquece de Rute que abandonou tudo para ficar com ela. É o narrador da história que lembra a presença de Rute  (cf.Rt 1:22). No entanto é essa mulher que Rute ampara.
  Rute está sempre à sombra de Noemi. Noemi é aquela que trama todo o enredo da história, é aquela de cujos olhos o narrador vê toda a perspectiva da narrativa. É sobre o filtro deformante da perspectiva dolorosa de Noemi que o narrador nos leva a contemplar a vida. É em um percurso doloroso que Rute segue com sua sogra. No entanto esse percurso a levará a reconhecer o amor humaníssimo que abrirá um caminho para Cristo. Rute estava realmente “resolvida a acompanhar” sua sogra, pois o seu coração estava disposto a sofrer juntamente com ela (cf.Rt 1:18). O amor é assim “Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (cf.1Co 13:7).
   O rei Dario não dormiu a noite por causa de Daniel, porém, Daniel passou aquela mesma noite na cova dos leões (cf.Dn 6). O rei Dario  estava disposto a não dormir a noite em que Daniel estava na cova dos leões, porém, ele não estava disposto a estar junto com Daniel na cova dos leões. Orfa também chorou ao ver o sofrimento de Noemi, porém não foi capaz de unir-se a ela em tal situação. Ao contrário do espírito de Rute que não apenas se condoeu do sofrimento de Noemi, mas estava pronta a levar o fardo da mesma dor que Noemi. A sua condescendência em relação à Noemi foi plena e total. As palavras de Rute “O teu povo é o meu povo, O teu Deus é o meu Deus” (cf.Rt 1:16) selou para sempre a sua permanência na genealogia daqueles que geraram Cristo. E ainda disse mais: “Faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa não seja a morte me separar de ti” (cf.Rt 1:17). Rute colocou a sua vida nas mãos do Deus de Noemi, a sua sorte daqui em diante estará sob o guiar do Deus de Noemi. A radicalidade de Rute em relação à sua entrega ao Deus de Noemi será o que fará com que Rute saia do anonimato, do meio de um povo amaldiçoado e entre pela fé na genealogia dos vencedores. Esse é o caminho para Cristo.


Belém: casa e pão

   Belém é um lugar de ressonância nas escrituras. Belém significa “casa do pão”. Como já vimos, no prólogo deste livro, Noemi está cercada de sua família, porém está privada de pão. Depois na terra de Moabe a vemos farta de pão, porém está privada de sua família. Os Amonitas e os Moabitas foram proibidos de entrar na assembléia do Senhor até a décima geração porque não socorreram o povo de Israel com “pão e água” quando eles saíram do Egito, e porque alugaram Balaão para amaldiçoar o povo de Israel (cf. Dt 23:3-4).
   Noemi torna-se estrangeira na terra de Moabe, e Rute ao regressar com Noemi de Moabe também se tornará estrangeira em Belém. Dois olhares aqui se encontram. O olhar de Noemi é o olhar através da dor. O olhar de Rute é o olhar através de Deus. No olhar casto de Rute se forma um espelhamento entre a terra e o céu, e no olhar de dor de Noemi contemplamos a amargura. Noemi está enferma em sua alma. E é através de Rute que Deus a curará.
   Os olhos de ambas olham na mesma direção, porém Noemi olha a sua vida apenas através  da sua desventura, porém o olhar de Rute é através do amor e da fé. Através da sua fé é Rute quem vai dar “pão e casa” a Noemi em Belém a “casa do pão”. Rute é quem alimentará a Noemi por um dia (cf.Rt 2:18) e depois durante a colheita toda (cf.Rt 2:21) e por fim por “toda a sua vida” quando se casa com Boaz (cf.Rt 4:13). Assim Deus através de Rute garante todo o sustento de Noemi, e não apenas o sustento (pão), mas sim também uma família (casa).





A “casualidade”:
A assinatura de um Deus
Invisível

   Vimos que em Belém, a “casa do pão”, Rute uma Moabita, dá pão e casa a Noemi. Isso só pode ser uma obra-prima de um Deus que se oculta. O narrador no primeiro capítulo chama todas as atenções para “Noemi” e ao seu “desespero” e quase se esquece de Rute. Mas aleluia! Com certeza o narrador é o Espírito de Deus, e no último instante diz: “Assim, voltou Noemi da terra de Moabe, com Rute, sua nora, a Moabita...”(cf.Rt 1:22). Noemi não ligou nenhuma importância à presença de Rute, mesmo tendo ela deixado tudo para segui-la. No momento em que Noemi lamentava o seu infortúnio o Deus que se oculta agia secretamente por meio da fé de uma simples Moabita. A ênfase do Espírito é “a Moabita”, pois é através de uma gentia que Deus agirá. Se Deus usou até a mula de Balaão, porque não usaria um coração de uma gentia que deixou tudo por Ele e por um povo que ela pouco conhecia? A razão disso é que Deus é Quem forma os corações (cf. Sl 33:15), é Ele mesmo que “formou” o coração de Rute para o seu próprio propósito porque: “Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas” (cf.Rm 11:36) Aleluia!!
  Palavra estranha à nossa compreensão espiritual: “casualidade”. Aqui é revelado que até os acontecimentos casuais estão sob a soberania do Deus que se oculta (cf.Rt 2:3). Parece que a “casualidade” é o “pseudônimo” de Deus quando Ele não quer por a sua própria assinatura. Aleluia! “Todas as coisas” (cf.Rm 8:28) só trabalham a favor de um único Deus e Rei Soberano sobre o universo: O Deus Triúno. Tudo trabalha a Seu favor, seja o bem ou o mal, a luz ou as trevas, a terra ou o céu. Nada impedirá que Ele cumpra o Seu desígnio. Sabendo que tudo está à mercê de um Deus infalível e Soberano como escaparemos de Suas mãos? Há um adágio popular que diz: “Deus escreve certo por linhas tortas”, creio que esta sentença traduz a essência daquilo que a palavra de Deus está afirmando aqui.
  Aqui nesse ponto precisamos considerar o “livre arbítrio” do homem. Se o homem foi criado “com” e “para” um propósito específico então é necessário questionar até aonde vai a sua liberdade. Deus deu ao homem que criou alguma liberdade? O homem é realmente livre? A liberdade do homem pode interferir nos planos divinos? O homem que já nasce sob a escravidão do pecado pode dizer-se que é livre? Se dissermos que o homem não tem nenhum livre arbítrio colocamos em “xeque” a salvação para o reino que requer a “obediência voluntária” do homem pagando um preço. Se dissermos que o homem é totalmente livre em sua vontade e que ele é capaz de “escolher por si mesmo” a salvação de Deus, colocamos em “xeque” a salvação pela graça. Que faremos? Martinho Lutero e Erasmo já se digladiaram muito sobre essa arena. Lutero defendia a salvação pela graça e dizia que a vontade do homem não era livre para “escolher por si mesmo” ser salvo. Erasmo, por sua vez, defendia que o homem através da sua vontade podia voltar-se para Deus e ser aceito por Ele.
  Aleluia! Porque a revelação de Deus é progressiva. A luz que tenho recebido do Senhor diz que nem Lutero estava “totalmente certo” e que nem Erasmo estava “totalmente errado”. No centro da roda da economia de Deus está a cruz de Cristo. O centro é o ponto de equilíbrio desse grande mover de Deus. Na obra da cruz vemos tanto a salvação eterna “pela graça” (essa salvação é dom de Deus cf.Ef 2:8), como também vemos a salvação para o reino que são os “atos de justiça” dos santos depois que receberam a salvação pela graça. Isso significa que a salvação para se obter a vida eterna de Deus não é uma questão de merecimento e nem de obras (isso significa que para Deus dar a Sua vida eterna para o homem, Ele apenas considera a sua fé e não as suas obras). Ao passo que a salvação para o galardão do reino requer que o homem pague um preço. O reino requer justiça do homem. A salvação pela graça não requer a justiça do homem para que este receba a salvação. Não é de se admirar que até hoje entre os cristãos essa questão é mal compreendida. Muitos ainda pensam que a salvação para a vida eterna é ganha através das obras de justiça do homem; a vida eterna para eles será o “prêmio” para aqueles que forem “obedientes”, e o lago de fogo o “castigo” para aqueles que forem “desobedientes”. Essa é uma visão geral no cristianismo. De acordo com esse conceito Deus premia os justos com a vida eterna e puni os injustos com o lago de fogo. Porém, a bíblia revela algo totalmente diferente. Deus não leva em consideração a justiça do homem para dar-lhe a vida eterna porque Deus o ama. Depois de salvo e depois de ter dado ao homem gratuitamente a vida eterna, Deus tem base para cobrar do homem uma posição justa diante Dele. A base dessa cobrança é o seu amor em ter dado a Sua própria vida para o homem. A dívida do pecado do homem foi saudada pelo sangue vertido na cruz. Porém o homem sempre será um devedor aos olhos de Deus. É claro que Deus também leva o homem a sério, por isso em Sua salvação Ele também dá uma “recompensa” baseada no “mérito” desse homem que Ele salvou. Mas isso não significa que Deus se torna “devedor” para com o homem, pois a vitória do homem é levada a cabo pelo poder de ressurreição da vida eterna que Ele outorgou ao homem. A vida eterna não é uma recompensa em si mesma, e sim o poder dentro do homem que o leva a vencer todo o mal. O homem não foi salvo para ganhar a vida de Deus, ele ganhou a vida de Deus para ser salvo! A vida de Deus não é a meta da salvação e sim o meio pelo qual o homem é salvo. É preciso dizer novamente que Deus jamais deverá algo para o homem. Quando Deus usou a rede de Pedro Ele devolveu-a quase submergida de tanto peixe. Quando foi convidado a uma festa de casamento pagou os seus humildes gastos com a transformação de seis talhas de água em vinho!
  Aqui fica claro que a salvação pela graça provê ao homem a “vida mais elevada do universo” para que este entre na esfera do reino de Deus. Isso significa que do ponto de vista da economia eterna de Deus a vontade do homem nada realiza no que diz respeito a receber a vida de Deus (pois a vontade do homem não o torna “melhor” e nem “capaz” de voltar-se por si próprio à Deus; é a graça no poder do evangelho (cf.Rm 1:16) que faz com que o homem se volte para Deus)  . Não obstante, o homem uma vez de posse dessa vida que ele recebeu “gratuitamente” ele pode ou não querer viver por essa vida nessa era. Aqueles que vivem por essa vida e “negam a si mesmos” em prol do reino receberão galardão. Logo o reino milenar na era vindoura será uma seção “parentética” no qual Deus galardoará os que viveram pela vida divina recebida gratuitamente em sua salvação inicial, e disciplinará aqueles que negligenciaram essa vida.
  Uma vez salvos eternamente pela graça de Deus será que podemos viver desleixadamente? Não. Pois o mesmo Deus da graça também é o Deus da justiça. A era da manifestação do reino será uma era em que Deus agirá com justiça, e aqueles que não viveram uma vida justa por meio da vida de Deus serão severamente disciplinados. Aqueles que pensam que a salvação pela graça abre uma comporta para uma vida de licenciosidade ao pecado estão equivocados em sua compreensão da manifestação da era do reino. Hoje vivemos na era da graça e aquela será uma era de justiça. A era do reino mostrará o quanto Deus leva o homem e a sua salvação a sério. Portanto não se enganem o Deus da graça também é o Deus da justiça.
  Diante de tudo isso precisamos responder que o homem é “parcialmente livre e parcialmente não”. Deus “escolheu” e “predestinou” o homem na eternidade passada antes mesmo que o homem pudesse exercer a sua vontade (cf.Ef 1:4-5). Essa escolha foi para a “salvação” e a predestinação foi para a “conformação” do homem à imagem Cristo (cf.Rm 8:29). Isso significa que em relação a “ganhar a vida eterna de Deus” a vontade do homem é ineficaz e incapaz de levar o homem por si próprio ao arrependimento, pois é a bondade de Deus quem produz no homem o verdadeiro arrependimento (cf.Rm 2:4), pois caso contrário, anularia a graça. O homem pode “decidir” se ele viverá ou não pela vida de Deus depois da salvação, e o mesmo também pode decidir (porém antes que ele possa decidir ele precisa receber graça e luz de Deus porque por si mesmo o homem é incapaz de ver-se como um pecador) se ele aceita ou não receber a vida de Deus. Pois quanto a dar essa vida eterna foi Deus quem decidiu em Si Mesmo dar a Sua vida aos homens; isso está sob a vontade e soberania de Deus. O próprio Senhor disse que ninguém viria até Ele se pelo “Pai não lhe for concedido” (Jo 6:65); aqui fica claro que a obra do Filho é salvar e dar vida eterna àqueles que o Pai escolheu e predestinou (Ef 1:4-5). O homem também pode “cooperar” com Deus no que diz respeito à conformação de sua alma à imagem de Cristo. É claro que a escolha de Deus não é baseada em nenhuma premeditação de que Deus escolheria somente aqueles que o aceitassem. Esse ensinamento é herético, pois a escolha de Deus foi muito antes que o homem pudesse ter praticado o bem ou o mal. Somente a sabedoria de Deus pode conciliar predestinação com livre arbítrio e está longe da minha ínfima sabedoria humana compreender esse paradoxo.
  Ao considerar o livre arbítrio do homem do ponto de vista da economia de Deus é impossível sairmos da sua conclusão paradoxal. Isso se deve ao fato de que o centro da economia de Deus é o próprio Deus que foi “manifestado em carne” (1Tm 3:16). Esse é o mistério da encarnação. Toda a economia de Deus tem como objetivo a incorporação, união e mescla do divino com o humano, daí nasce o paradoxo que a nossa mente limitada não consegue compreender. Por exemplo: Efésios 1:4-5 diz claramente que Deus nos “predestinou” para a filiação. Porém, antes de nos predestinar Ele primeiramente nos “escolheu” (v.4). A palavra “escolher” pressupõe uma “seleção”, isso é óbvio. Portanto a escolha de uns pressupõe a “rejeição” de outros, caso contrário não haveria uma escolha. Para que haja uma “escolha” é necessário que uma parte seja excluída. Isso significa que admitir uma “escolha” é “rejeitar” uma parte que não foi escolhida. Conclusão: para que Deus tivesse “escolhido” quem seriam seus filhos, Ele naturalmente teria de ter excluído aqueles que não seriam seus filhos. Porém, se Deus “escolheu” em parte quem seriam seus filhos, como Ele poderia desejar que “todos” os homens fossem salvos? (1Tm 2:4). Isso não é paradoxal? Como conciliamos Ef 1:4 com 1Tm 2:4 ? Isso só é possível se interpretarmos a “escolha” de Deus em Ef 1:4 como sendo uma “escolha genérica em Cristo, em que Deus escolhe em Si mesmo salvar “todos” os homens. Creio sinceramente que Deus amou “todos” os homens (Jo 3:16) em Cristo sem a exclusão de nenhum. Isso significa que ao encarnar-se o próprio Deus em Cristo tornou-se o representante de “todos” os homens sem nenhuma exceção. Isso é graça. Essa graça é o próprio Deus em Cristo sendo dada ao homem pelo Espírito gratuitamente. “Todos” os homens incluindo os que estão vivos e os que vão nascer possuem um “saldo” ilimitado de graça em Cristo. Isso independe do homem querer ou não, o saldo está disponível independente da vontade do homem em usá-lo ou não. Isso é graça. Da mesma forma que o homem já nasce em pecado independentemente dele querer ou não, assim também, independente da sua escolha ele possui um saldo disponível de graça em Jesus. Isso significa que independentemente se eu quero ser salvo ou não Deus incluiu-me em Sua salvação em Cristo. Mas isso não significa que essa salvação gratuita não possa ser rejeitada. Pois do lado de Deus a graça foi concedida incondicionalmente, porém, usando do meu livre arbítrio eu posso rejeitá-la. Mas a salvação não é pela graça? Se eu escolho ser salvo pela minha própria vontade onde está então a graça? É aqui que está o paradoxo. Porém, devemos perceber que a nossa escolha jamais antecederá a graça disponível. Isso significa que se temos a capacidade de escolhermos a salvação é porque ela está disponível ( o evangelho de Deus é o poder de Deus entrando no homem antes que o homem possa crer no evangelho). Se você está afundando no mar e alguém lhe joga uma bóia de um barco, você não tem uma “segunda opção de sobrevivência” a não ser agarrar-se à bóia (você até pode saber nadar, porém lá no meio do mar não nadará por muito tempo). Olhando por esta perspectiva é fácil percebermos que não fomos nós que “escolhemos” a salvação de Deus. É Deus quem disponibilizou essa “bóia” e nós fomos “compelidos” a agarrá-la senão morreríamos. Muita gente está perecendo porque não quer aceitar a Cristo, porém, não podemos afirmar que elas estão perecendo porque Deus não as incluiu em Sua salvação em Cristo. Isso é contrário ao desejo de Deus que quer que “todos” os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Tm 2:4). Elas perecem porque “rejeitam” a “escolha” de Deus para elas e não porque Deus não as escolheu em Cristo. Tudo o que Deus quer fazer em Sua economia está no princípio da “encarnação”. Isso significa que a “encarnação” de Cristo encerra todo o poder e mistério do evangelho no qual cremos; e também revela o desejo máximo do coração de Deus que é “mesclar-se com o homem”. O homem não possui livre arbítrio ( quero dizer com “livre arbítrio” a capacidade do homem fazer algo aquém da vontade de Deus) verdadeiro fora da única vida eterna que foi colocada em Jesus Cristo (1Jo 5:12). Não há escolha de vida fora de Jesus. Não há vida fora de Cristo. Fora de Cristo só há morte eterna. Sendo assim podemos dizer que a “escolha” de Deus é a Sua decisão em Si Mesmo em dar a Sua vida eterna a “todos” os homens que pela fé se unam a Cristo. Em Cristo Deus “escolheu” todos os homens, porém, nem todos os homens escolhem se unir a Cristo. Deus preparou uma salvação gratuita para o homem que Ele criou, porém, muitos decidem não aceitar essa salvação. Quero dizer com tudo isso que a “escolha” de Deus em Ef 1:4 deve incluir “todos” os homens sem exceção. Sendo assim é necessário dizer que o homem possui livre arbítrio (pois ele pode rejeitar a salvação de Deus em Cristo). No entanto é também necessário dizer que esse livre arbítrio é delimitado pela soberania de Deus. No universo somente Deus possui livre arbítrio total, essa é uma prerrogativa exclusiva de Deus. O homem sendo uma criatura de Deus só possui uma “autonomia parcial”. Dar ao homem livre arbítrio total é colocá-lo ao nível de Deus. Isso é inadmissível. Temos a revelação de que Deus em sua economia deseja ser um com o homem criado, mas isso exclui a possibilidade do homem tornar-se Deus na “Deidade”. O homem só pode ser participante da vida e natureza divina e jamais será participante da “Deidade” de Deus e muito menos das prerrogativas que são exclusivamente do criador. Não podemos jamais afirmar que o homem será um “quarto elemento na Deidade” e muito menos pregar a deificação da humanidade no sentido de que o homem participará das prerrogativas que são somente de Deus. O homem será apenas um material na economia divina, apenas um vaso criado com o objetivo de expressar a vida e a natureza de seu criador. Será sempre criatura e isso jamais mudará.
  Ao criar o homem Deus criou para si mesmo um veículo pelo qual Ele seria manifestado e expressado. Podemos compreender essa verdade usando uma alegoria (embora ainda seja muito pobre) : se colocarmos um saquinho de chá numa xícara com água quente, logo a água absorverá a “vida e a natureza” do chá, ganhando assim a essência e a sua característica, porém a água jamais se tornará no saquinho de chá. Assim é o homem, ele é apenas capaz de participar da “vida e natureza” divinas, porém, ele jamais será como Deus em Sua Deidade. Perdoem-me a digressão, é que quando interpretamos um livro como esse, que em sua essência literária vem à tona a soberania de Deus versus o livre arbítrio do homem, então se faz necessária uma investigação mais profunda. Precisamos questionar a responsabilidade do homem sob o filtro da visão da economia divina abrangida no cerne das escrituras sagradas. De acordo com essa visão o homem possui apenas uma “liberdade tutelada” e jamais a sua vontade fará retroceder nem que seja um palmo daquilo que Deus determinou em Si mesmo. Ele apenas pode decidir algo dentro dos limites da jurisdição humana outorgada por Deus, e jamais tem o poder de decidir as coisas referentes às determinações divinas, pois o homem só pode “cooperar ou não cooperar” com essas determinações divinas, e jamais “decidir” (decidir aqui está no sentido de “mudar” o que Deus determinou, e não no sentido de “executar” que no caso cumpre a vontade de Deus) algo em relação a elas. Conclusão: o homem possui liberdade de escolha apenas nas coisas genuinamente humanas, e pode também “cooperar” com Deus quando se trata das coisas divinas, porém não pode determiná-las por si mesmo. Jamais haverá um “casamento” entre essas duas vontades, no que diz respeito ao homem interferir nas prerrogativas que são somente (e tão somente) de Deus. Deus em sua economia divina está mesclando a Sua vida e natureza divinas ao homem criado, porém o homem será sempre homem, e Deus será sempre Deus ( pois Deus em Sua Deidade estará sempre separado do homem). É preciso estabelecer um limite entre o que é da responsabilidade do homem e o que é da responsabilidade de Deus; Deus como Criador “exige obediência voluntária” do homem e ao mesmo tempo supri Consigo Mesmo essa aspiração que Ele mesmo criou no homem, e o homem baseado na vida e natureza divina que recebeu de Seu próprio Criador (por meio de Jesus Cristo) lhe renderá obediência por toda a eternidade. O amor de Deus para conosco consiste em que guardemos os seus mandamentos (1Jo 5:3); além do mais até mesmo Cristo em Sua humanidade aprendeu a ser “obediente” (Hb 5:8) e obediente até a morte e morte de cruz (Fl 2:8). Aqui fica claro que Deus exige e sempre exigirá “obediência” do homem que ele criou à sua imagem e semelhança. De acordo com Gênesis 1:26 Deus criou o homem para “dominar” sobre todas as coisas criadas, porém esse “domínio” jamais estará acima da “obediência” ao Espírito de Deus que está dentro do homem. Isso significa que “obediência” é o requisito mais importante para que o homem mantenha comunhão com Deus, e também é um requisito exigido por Deus que faz com que o homem mantenha-se na sua posição de criatura. Guardar os mandamentos de Deus não é uma questão de “certo ou errado” e sim de “obediência inteligente” ao Espírito santo que habita em nós. O resultado dessa obediência será que o homem dominará sobre todas as coisas. Vamos voltar agora ao capítulo 2 de Rute.
  Diante de tudo isso a expressão “casualidade” do versículo 3 ganha aqui um sentido mais divino do que aquilo que supúnhamos. O peso dessa expressão é surpreendente, pois é a soberania de Deus que está em jogo. “Deus não joga dados”, nada em sua economia é por acaso. Paradoxalmente a vontade humana “casa-se” com a vontade divina, porém o que é revelado nessa porção da palavra é mais profundo ainda. Não é o homem que determina se Ele irá ao encontro das necessidades divinas, é o oposto, é Deus quem arranja e dispõe as coisas conforme as suas necessidades e vontades. Olhando pelo filtro dos olhos humanos temos a impressão de que certos acontecimentos são pura “casualidade” (como é o caso de Rt 2:3 em que “casualmente” ela encontrou-se no campo de Boaz), porém se olharmos abaixo da superfície e contemplarmos as coisas através do Espírito de Deus veremos que os planos divinos são perfeitos e que Deus continua sendo soberano mesmo sobre os nossos erros. Todo o livro de Rute é escrito a partir da perspectiva humana e olhando dessa maneira muitas vezes ficamos confusos e não o entendemos, porém quando nos damos conta da inspiração divina do texto e compreendemos a intenção do Espírito nos propósitos de Deus, então um novo sentido espiritual abre os nossos olhos. Aqui fica claro que o texto é genuinamente humano, porém o motivo e a inspiração que ele encerra em sua trama subliminar é totalmente divina. Uma pessoa que não tem o Espírito de Deus não tem a base para uma interpretação correta das escrituras. Não importa o quanto ela saiba do “grego” ou “hebraico”, somente o Espírito de Deus pode sondar as coisas de Deus (1Co 2:10). Baseados nessa visão vamos sondar as inescrutáveis intenções do Espírito ao permitir que esse exemplar divino fosse canonizado. Sendo assim é claro que este livro deve encerrar alguma importância “maior” que talvez tenha escapado a nossa percepção humana. Que o Espírito de Deus possa nos conduzir! Amém.
  Aqui vale a pena ressaltar que sem o Espírito de Deus a nos conduzir estaremos à deriva em meio a um mar tempestuoso e bravio. Invoquemos a Cristo para que entre em nosso barco e restabeleça a bonança. O nosso entendimento sem o Espírito de Deus é semelhante às ondas agitadas do oceano, é necessário que Cristo ande sobre essas ondas para que as interpretações “fantasmagóricas” (Mt 14:26) da nossa mente inquieta possa seguir o fluxo calmo e refrescante do Espírito de Deus. Lancemos mão do leme e permitamos que somente o Espírito santo iluminando a nossa mente ativa pela luz da palavra nos guie. Eia! Vamos!




Rute uma rebuscadora de espigas:
A providência divina

  Aleluia! Temos um Deus invisível que endossa com a Sua assinatura os contingentes da vida daqueles que são chamados segundo o Seu propósito. Toda a providência divina está centrada num único propósito: a edificação de si mesmo em um “homem coletivo que expresse a imagem divina de Seu Filho Jesus Cristo”. O primeiro passo dessa economia é a Sua encarnação a fim de edificar-se a si mesmo como um homem genuíno, e apresentar-se a Si Mesmo como um homem perfeito com o objetivo de levar a cabo a redenção em favor dos homens e ao mesmo tempo fazer de Si mesmo o modelo e protótipo de uma humanidade ressurreta. Já deixei claro que o homem jamais será participante da “Deidade” de Deus, porém precisamos compreender que o homem foi criado para um propósito específico e definido: “ser veículo da imagem do filho de Deus por toda a eternidade, a fim de expressá-lo em toda a Sua plenitude e glória, manifestando todas as Suas virtudes e atributos da Sua santidade, sem com isso, é claro, participar da Sua Deidade e prerrogativas como Deus, como por exemplo: o Seu direito único de livre arbítrio total e imparcial.” Limitamos aqui a apenas dizer: “Ele é Deus”!
  O livro de Rute é um livro singular que narra uma “delicada história de amor” sem nenhum precedente jamais visto na história dos homens. É um livro todo bondade e único. Os acontecimentos mais importantes desse livro decorrem durante as semanas da colheita da cevada e do trigo, entre a páscoa e o pentecostes: a festa da colheita das primícias (Lv 23:9-14). Isso é muito significativo. Os filhos de Israel traziam os molhos das primícias ao sacerdote, e ele o movia perante o Senhor no “dia imediato ao sábado” (Lv 23:12). O sábado é uma figura que representa Cristo como o nosso verdadeiro descanso; e essa figura indica que somente quando descansamos em Cristo é que podemos ofertar a Deus. O descanso vem antes do oferecer. Os filhos de Israel primeiro colhiam a cevada que amadurecia “primeiro” e depois o trigo. A cevada é uma figura da vida de ressurreição. Deus só aceita uma oferta quando esta está baseada no descanso da vida de ressurreição de Seu filho Jesus Cristo. Essa é na verdade a ordenação de Deus para o homem. Toda a providência de Deus para o homem tem como objetivo levá-lo a descansar em Cristo mediante a Sua vida de ressurreição.
  Tudo o que Deus fez a Rute foi baseado no princípio da ressurreição. Quando lemos a história de Rute temos a impressão de que é ela quem trabalha todo o tempo, porém quando percebemos o ambiente que Deus preparou para ela, entendemos que todo o trabalho de Rute seria um fracasso se não levarmos em consideração o propósito divino no arranjo soberano de Deus para ela. Paulo também havia trabalhado “mais” do que todos, mas não sem a graça de Deus que o movia (1Co 15:10). Assim também Rute trabalhou bastante, mas não sem o descanso de Deus em seu coração. Lembre-se o descanso vem sempre antes da oferta. Deus se move “no homem” e “com o homem”, isso significa que descansar não é parar as atividades; descansar na bíblia significa agir de acordo com a palavra de Deus. É trabalhar muito, porém, na dependência de Deus. O Senhor não quer que sejamos como o lírio, Ele apenas nos convida a “considerar” o lírio (Mt 6:28). Ser como o lírio é nada fazer. Considerar o lírio é perceber o quanto dependo de Deus. O Senhor não pede para que sejamos como as aves, mas disse: “observai” as aves do céu (Mt 6:26). Observar é perceber que Deus é todo suficiente em cuidar de nós sem que com isso diminuamos nosso trabalhar. Com certeza as aves do céu se alimentavam daquilo que os filhos de Israel plantavam, porém elas não teriam alimento se eles não plantassem. Além do mais não teriam sucesso no plantio se Deus não lhes dessem o sol, a chuva e o vento no tempo propício. O princípio espiritual aqui é que o trabalhar deve ser no fluxo da graça. Agora podemos entender porque toda a parte ativa na história de Rute se passa durante um período de colheita, pois a colheita envolve o trabalho do homem na dependência de Deus, pois podemos até plantar, mas somente Deus pode dar o crescimento (1Co 3:6).
  Rute pôde colher fartamente porque Deus em Sua providência havia abençoado o plantio no campo de Boaz. E não apenas isso, Deus também dispôs no coração de Boaz a graça suficiente para que este aceitasse Rute (uma Moabita, filha de um povo amaldiçoado por Deus) em seu campo; e isso exigiu um coração alargado e misericordioso o qual somente Deus pode dar aos homens. Deus havia proibido a união entre os filhos de Israel com os Moabitas, porém aqui vemos que Boaz ao aceitar Rute não agiu em conformidade com nenhum legalismo, antes a sua ação expressou a misericórdia de um Deus amoroso e misericordioso. Sendo assim o livro de Rute não é apenas um marco que introduz a “era dos reis”, e sim também um livro que canaliza através de “cordas humanas” (Os 11:4) o amor de Deus a todos os homens.
  O livro de Rute revela que Deus providencia tudo para o homem que Ele criou e que tudo está em conformidade com a Sua economia eterna. Nenhuma necessidade genuinamente humana escapa despercebida dos olhos de Deus. Abraão aspirava por filhos que pudesse criar e terras que pudesse cultivar; através dessa aspiração genuína e humana Deus revelou a Sua aspiração divina aos homens. Deus também desejava que o homem “governasse” a terra e a enchesse de filhos (Gn 1:26-28). Em Abraão podemos contemplar o genuíno desejo de Deus para o homem: o domínio da terra através de um homem corporativo que tenha a imagem e semelhança de Seu Filho Jesus Cristo. Esse é o mistério oculto na história de Abraão. O cuidado de Deus para com o homem vai desde o preparo de uma vestimenta para cobrir a sua nudez (Gn 3:21) até o seu sepultamento quando sepultou Moisés e guardou seu corpo (Dt 34). Quando Abraão ainda sofria pelo corte da circuncisão Deus apareceu a ele na planície de Mambré; assim nos ensinou a cuidar dos doentes. Consolou Jacó no seu regresso de Padã-Arã, no lugar onde morrera sua mãe; e assim nos ensinou a cuidar dos que estão de luto. Também fez descer pão do céu para os filhos de Israel, e assim nos ensinou a cuidar dos famintos. Também por mais de vezes saciou a sede do seu povo, nos ensinando assim que devemos dar de beber aos que tem sede. Aleluia! Isso é apenas um pequeno vislumbre da riquíssima providência de Deus!
  O livro de Rute encerra todo esse cuidado de Deus para com o homem. Além do mais ele também mostra que devemos à semelhança de Rute respigar no campo das escrituras. É a glória das glórias podermos nesse instante estar respigando no próprio livro que narra a história de uma respigadora. Isso é mistério dos mistérios! A providência de Deus em nos alimentar com essas espigas frescas e tenras tem o objetivo de nos constituir com a Sua vida santa e cheia de riquezas e deleites. Vamos seguir adiante porque o substancial dessa história ainda está por vir!




















Rute acha graça aos olhos de Boaz
 
   Deus é o Ceifeiro celestial e sendo assim Ele ceifa onde não semeou e junta onde não espalhou (Mt 24: 24). Mas como pode ser isso? Não sei, “Ele é Deus”, só posso afirmar isso. Certa vez, os discípulos vindo da cidade rogaram para que o Senhor comesse, e Ele disse: “A minha comida consiste em fazer a vontade Daquele que me enviou e realizar a Sua obra” (Jo 4:34). O Senhor havia salvado e dado vida eterna à Samaritana, essa era Sua verdadeira comida, pois Ele havia se alimentado da presença dessa mulher. Os discípulos deviam ter trazido pessoas ao Senhor e não comida. O Senhor estava faminto para salvar os homens, essa era Sua obra. Ele só se ocupava com essa obra.
  É sob as asas desse “Ceifeiro” maravilhoso que Rute estava abrigada (Rt 2:12). A obra de Deus consistia em salvá-la, e para isso Ele preparou um homem segundo o seu coração para cuidar dela. Esse não é um Deus diferente daquele que salvou a Samaritana no poço de Jacó. O Deus que Criou o universo em Gênises é poderoso demais para nosso entendimento e muito inacessível, porém o Deus que vemos a beira do poço de Jacó é cheio de graça e misericordioso. Ambos é o mesmo Deus, porém não conheceríamos a Sua graça se não o víssemos dar de beber a Sua vida eterna a uma mulher tão imoral! Quanta graça! Aleluia!
  A graça que Rute encontra em Boaz é a mesma graça que a igreja encontra em Cristo. Boaz aconselha Rute a não colher em outro campo e a não passar do seu campo para outro (Rt 2:8), pois toda a provisão necessária para ela seria provido somente por ele. Isso significa que Deus limita o homem dentro de um único campo, de um único território no qual Ele mesmo é o alimento do homem. O homem deve andar em Cristo como sendo seu único território, sendo radicado Nele, edificado, confirmado na fé, instruído e deve também crescer em ações de graça apenas nesse território (Cl 2:6-7). Aqui Rute está decidida a obedecer este princípio e sua atitude será recompensada por Boaz.
  Boaz prossegue: “porém aqui ficarás com as minhas servas. Estarás atenta ao campo que segarem e irás após elas” (Rt 2:8-9). Ir após as servas é seguir “as pegadas do rebanho” (Ct 1:8). Vagar junto com os rebanhos alheios não cumpre a vontade de Deus (Ct 2:7) , por isso devemos estar junto com o único rebanho chamado pelo único Cristo, nosso único Pastor (Jo 10:16). Isso fará com que achemos graça diante de Deus e cumpriremos Sua vontade. “Estar atento ao campo” é perceber que Deus tem uma única obra, por meio de um único Espírito para a edificação de um único corpo. Só há um campo no qual possamos trabalhar porque há somente uma obra de edificação. Assim também vemos que toda a história da genealogia humana começando em Adão tem o objetivo de edificar um único homem entre os homens que é Cristo: O Deus-Homem encarnado.
  “Quando tiveres sede, vai às vasilhas e bebe do que os servos tiraram” (Rt 2:9). Aqui temos outro princípio espiritual. Rute é uma figura da igreja e Boaz é um tipo de Cristo; quando nos reunimos em nome do Senhor todos tem uma medida de “água” que tiraram de suas experiências, e essa água que é Cristo torna-se vida para a igreja. Este princípio também está no único “campo” que Deus determinou para o homem andar. Ao ouvir tamanhas palavras de graça da boca de Boaz Rute inclina-se com o rosto em terra, e lhe diz: “Como é que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu estrangeira? (Rt 2:10). Rute reconhece a sua miséria diante da tamanha graça que lhe é oferecida gratuitamente, isso fez com que ela reverenciasse a generosidade de Boaz. Com certeza Cristo é o nosso verdadeiro Boaz, e Ele é digno de toda nossa adoração e reverência por permitir que bebamos Dele por meio de toda Sua riqueza que Ele depositou “nos irmãos”. Que maravilha é beber de Cristo nos irmãos! As vasilhas preparadas por Deus para saciar a nossa sede, Aleluia! É um grande mistério que Deus tenha depositado em cada um de nós uma vida tão elevada que se tornou rios de água viva a fluir para a vida eterna! (Jo 4:14, 7:37-38). A humildade de Rute em reconhecer a sua condição de miséria em face da graça recebida através de Boaz fez com que ela tivesse descanso em seu coração.
  “Respondeu Boaz e lhe disse: bem me contaram tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da morte de seu marido, e como deixaste a teu pai, e a tua mãe, e a terra onde nasceste e vieste para um povo que dantes não conhecias” (Rt 2:11). Rute aqui repete a mesma aventura de Abraão quando deixou a sua parentela e saiu do seu país e foi para uma terra que ele não conhecia. Rute primeiro rompeu os seus laços naturais com os seus pais, e isso não foi fácil. Depois ela empreendeu uma viagem para fora de sua terra natal, esse passo foi ainda mais doloroso. Esse rompimento se dá de dentro para fora, é algo que somente Deus pode dar graça para que seja realizado. O que sobressai no texto é que nada se fala de fé; tudo o que Rute fez foi por amor. É claro que a fé existe e está pulsando aqui, porém é uma qualidade de fé que é expressa pelo amor. Madame Guyon sempre dizia que uma grande fé sempre produz um grande abandono, e é isso que vemos aqui, Rute abandona a si mesma para seguir com sua sogra em rumo a uma terra que ela não conhecia. Aqui a verdadeira fé é expressa através do amor singelo de uma mulher simples e fervorosa. A qualidade desse amor de Rute por sua sogra não passou despercebida dos olhos de Boaz que a todo tempo revela uma humanidade justa e veraz. Ele é aqui um tipo perfeito de Cristo apreciando a Sua igreja peregrina!
  “Disse ela: Tu me favoreces muito, Senhor meu, pois me consolaste e falaste ao coração de tua serva, não sendo eu ainda como uma das tuas servas” (Rt 2:13). Boaz havia dito: “O Senhor retribua o teu feito”; Rute em nenhum momento teve em alta conta o que tinha feito à sua sogra, para ela esse gesto foi espontâneo e natural. A benevolência de Boaz em relação à Rute foi devido ao testemunho que ele ouvira a seu respeito, por isso lhe disse: “bem me contaram...” (Rt 2:11). A atitude de Rute havia sido elogiada pelas pessoas que se condoeram de Noemi. Rute não havia feito isso para chamar a atenção de ninguém, porém a fragrância do seu amor rescendeu naquela terra e todos ficaram impressionados com a sua solidariedade em relação à Noemi. Por ela ser uma Moabita essa impressão foi maior.
  Rute disse: “Tu me favoreces muito, Senhor meu”; o coração casto de Rute estava desconcertado com os elogios de Boaz, para ela tudo aquilo era muito mais do que ela realmente merecia. Já era muito para ela que ele houvesse deixado que ela respigasse em seu campo, e ainda muito mais do que isso falasse ao seu coração. Cercada de elogios que ela julgava não merecer, apenas disse de si mesma que ela não era nem mesmo como uma das suas servas. Esse quadro mostra a verdadeira face de Rute: a sua única preocupação é ser submissa e nada mais. A glória de um elogio não pode ofuscar e nem ensoberbecer um coração verdadeiramente submisso.
  “À hora de comer, Boaz lhe disse: achega-te para aqui, e come do pão, e molha no vinho o teu bocado. Ela se assentou ao lado dos segadores, e ele lhe deu grãos tostados de cereais; ela comeu e se fartou, e ainda lhe sobejou” (Rt 2:14). Mais uma vez podemos contemplar a humildade de Rute. A parábola de Lucas 14:7-14 é uma porção da palavra que diz respeito à maneira como não devemos aspirar pelos primeiros lugares. Humanamente falando gostamos de ser bem recebidos e de ocuparmos os primeiros lugares, porém o reino de Deus não é assim. Rute por ser humilde foi convidada para assentar-se numa posição de honra ao lado de Boaz, e ainda foi sustentada por ele. O texto deixa sobressair duas virtudes excelentes de Rute: o seu amor e a sua humildade. Aqui a lição é clara: Quando a igreja se humilha aos pés de Jesus, ela é apreciada, sustentada e louvada pelo Senhor!
  “...E ele lhe deu grãos tostados de cereais; ela comeu e se fartou, e ainda lhe sobejou” (Rt 2:15b). Aleluia! Os grãos não eram crus, porém tostados pelo fogo. Todo alimento espiritual proveniente da cruz é algo que necessariamente precisa passar pelo fogo. Quando um irmão compartilha uma experiência dolorosa que teve com o Senhor, ele provê alimento espiritual sólido para o corpo de Cristo. Todos são beneficiados pela experiência do irmão; todos são edificados e fartos. Tal experiência é tão proveitosa e rica que até mesmo sobeja. Os grãos enquanto estavam no campo eram comuns, porém eles vieram para a mesa dos segadores, e além do mais foram também tostados pelo fogo. Os grãos não apenas mudaram de posição (do campo para a mesa), mas também mudaram de natureza (de crus para tostados), indicando que o Senhor é o alimento que santifica a igreja, não apenas de forma posicional, porém também de maneira disposicional. Através dessa singela refeição de Rute recebemos um verdadeiro banquete espiritual. Aprendemos aqui que através do arranjo soberano de Deus em nosso ambiente, o Espírito Santo nos disciplina através de uma digestão espiritual adequada de Cristo mediante “certos sofrimentos ordenados por Deus”, que tem por objetivo nos santificar de maneira disposicional e nos conformar na própria imagem de Seu filho (Rm 8: 29). É Cristo Aquele que serve “grãos tostados” àqueles que são chamados segundo a vontade do Pai, para que estes se alimentem e também alimentem os membros de Seu corpo!
  “Levantando-se ela para rebuscar, Boaz deu ordem aos seus servos, dizendo: Até entre as gavelas deixai-a colher e não a censureis” (Rt 2:15). Rute já havia desfrutado de um banquete farto, por isso teve disposição para “levantar-se” e trabalhar. Aqui temos um princípio espiritual: O “trabalhar” vem sempre depois do “desfrutar”. Então Rute pôde trabalhar, mas não sem os “cuidados” de Boaz que deu ordens aos seus servos que não a censurassem. “Deixai-a colher”! Quanta graça vemos nessas palavras. Quando desfrutamos de Cristo e levantamo-nos para trabalhar em Seu “campo”, Ele propicia tudo aquilo que iremos colher. Na verdade tudo o que colhemos nesse “campo” é o resultado da obra consumada de Cristo; só precisamos ceifar os cachos que já amadureceram como resultado da obra redentora de Cristo, pois aqueles que foram dados pelo Pai ao filho, precisam ser apenas colhidos e nada mais. Cristo já propiciou todas as coisas para o homem por meio da Sua obra redentora, agora o trabalho delegado à Sua igreja é participar da Sua obra colhendo aquilo que Ele já semeou e cultivou; sendo assim a Sua igreja é aquela que colhe aonde ela não semeou (Jo 4:38).
  “Tirai também dos molhos algumas espigas, e deixai-as, para que as apanhe, e não a repreendais” (Rt 2:16). Rute trabalhou naquele campo até a tarde (v.17), porém, nada do que conseguiu apanhar foi pela sua própria capacidade. “Deixai-as, para que as apanhe”, o que Rute apanhou foi algo totalmente gratuito. O seu trabalhar foi debaixo da graça de Boaz. Isso significa que tudo o que a igreja faz deve ser proveniente da graça de Cristo; por um lado a igreja “trabalha”, porém por outro lado ela apenas “colhe” aquilo que Cristo já propiciou.
  “Tomou-o e veio à cidade; e viu sua sogra o que havia apanhado; também o que lhe sobejara depois de fartar-se tirou e deu a sua sogra” (Rt2:18). Essa é a primeira vez que Rute dá de comer à sua sogra. Noemi viu o quanto Rute fora abençoada em seu trabalho. Noemi desse dia em diante estará segura por conta do arranjo soberano de Deus. Pois Deus não apenas lhe assegurará o “pão” diário através de Rute, porém também lhe assegurará uma família. Essa primeira colheita é apenas uma amostra do quanto Deus ainda irá fazer por meio de Rute.
  “Então, lhe disse a sua sogra: Onde colheste hoje? Onde trabalhaste? Bendito seja aquele que te acolheu favoravelmente!” (Rt 2:19a). Noemi ainda não sabia o quanto Deus lhe tinha sido misericordioso. Já era muito que alguém houvesse aceitado uma Moabita em seu campo, por isso Noemi se exprimira dizendo que tal homem era “bendito” por tal acolhimento. Imagine a expressão de surpresa no rosto de Noemi! Pois até aquele momento ela estava suspensa quanto ao fato de Rute haver se dado bem em seu empreendimento. De repente Rute chega cheia de alimento fresco e dá a sua sogra. Já era tarde quando Rute chegou. Até aquele momento o coração de Noemi ainda estava suspenso. Talvez a expressão de contentamento no rosto casto de Rute denunciasse um futuro promissor. Essa impressão deixada no primeiro momento talvez começasse a desanuviar o semblante cinzento e amargurado de Noemi. O relato de Rute a respeito de sua aventura naquele dia surpreenderá o coração de Noemi. Nem mesmo Rute sabia o que Deus estava lhe preparando. Daqui em diante Noemi ao perceber a possibilidade de garantir o seu futuro e o de sua nora, deixa transparecer toda a sua ardilosidade. Porém, Noemi será totalmente exposta em seu “homem natural” e Deus mostrará que Rute é uma verdadeira filha de Abraão.
  “E Rute contou a sua sogra onde havia trabalhado e disse: O nome do senhor, em cujo campo trabalhei, é Boaz” (Rt 2:19b). Ao ouvir aquele nome Noemi ficou extasiada. Rute não sabia de quem se tratava, porém sua sogra abriu-lhe os olhos do coração: “Esse homem é nosso parente chegado e um dentre os nossos resgatadores” (Rt 2:20b). Esse versículo é muito categórico em afirmar que Boaz não era o único resgatador existente. Porém, ele foi o único que assumiu a sua posição.
  Rute ainda contou a sua sogra que Boaz havia permitido que ela ficasse com os seus servos até que acabasse toda a sega (Rt 2:21). Assim Noemi foi sustentada durante toda aquela sega por Rute. Noemi instou com Rute para que ficasse colhendo apenas no campo de Boaz, e assim Rute procedeu até o fim da colheita. Por fim a colheita acabou e Rute ficou com a sua sogra. É claro, a colheita havia acabado, mas não a esperança no coração de Noemi, pois aquela “colheita” havia semeado em seu coração um plano. Ainda que esse plano revelasse toda a fraqueza de uma mulher disposta a ver realizado o seu sonho, ainda assim esse “plano” contribuiu para que a casta audácia de Rute fosse revelada.
  Aqui temos um quadro completo de como Rute achou graça diante dos olhos de Boaz. Esse quadro é simples e singelo, não devemos de maneira nenhuma tentar realçar a sua cor; tudo nesse quadro é perfeito. O seu pano de fundo revela uma perspectiva perfeita em relação ao seu destaque no primeiro plano. Nesse quadro não vemos Deus diretamente, porém O vemos no semblante cheio de graça de Boaz ou ainda na submissão resoluta de Rute; é assim que Deus aparece nesse quadro: Oculto no coração do homem!







      A conversão de Rute

Em Rt 1:22 Rute é descrita como aquela que “regressou dos campos de Moab”. Surpreende o uso do verbo “regressar”. Ainda que se fale precisamente do regresso de Noemi a Belém (partira de Belém e aí torna agora), utiliza-se o verbo “shuv”, “regressar”, também para Rute. O verbo “shuv”, “regressar”, é a palavra-chave do capítulo 1 do nosso livro, onde se repete 12 vezes. Isso é muito significativo. Os regressos de Rute e Noemi são assim muito diferentes. Também em 2:6, Rute é apresentada a Boaz como aquela que “voltou com Noemi da terra de Moab”. Ligando-se a Noemi, com um ato de afeto muito humano, de proximidade humana, de solidariedade, Rute adere à aliança de Israel de modo que pode invocar o Deus de Israel, como garante da sua fidelidade ao seu novo povo. Em 1:17 é revelada a decisão resoluta e inequívoca de Rute em relação a crer no Deus de Israel. A verdadeira conversão de Rute é ter se voltado da sua terra pagã e idólatra para contemplar a face do Deus de Israel.
  Em conclusão, Rute é aquela que se converte. O que é a sua conversão? Diz-se que ela regressou dos campos de Moab (1:6,22, 2:6). Moabita, Rute é uma descendente de Ló: Moab foi o filho que Ló teve da sua relação incestuosa com a sua filha mais velha (Gn 19:30-38). São muitas as semelhanças entre os textos de Gênesis e Rute: Duas mulheres sem possibilidade de descendência; as cenas acontecem de noite (Rt 3), depois de o homem ter bebido (Rt 3:3,6), quando está deitado e sem ele se aperceber, uma mulher vem para junto dele. Porém, é necessário ressaltar que as diferenças também são notáveis. A filha mais velha de Ló toma a iniciativa, enquanto que Rute obedece a Noemi; Rute não embebeda Boaz, foi ele que bebeu e depois adormeceu. A filha de Ló consuma a relação sexual, ao contrário de Rute que se limita a despir-se e colocar-se junto de Boaz. Esse quadro nos mostrará algo surpreendente: a conversão de Rute foi plena e total. Rute aqui se torna uma atriz num cenário criado por Noemi; o que Noemi não imagina é que Rute não repetirá a mesma façanha dos seus ancestrais; ao contrário disso, ela se mostrará íntegra e como resultado se vinculará ao Deus que chamou em Abraão uma descendência celestial.            


        
 
                     
 
 
       
      
 
 
 
 
    
   
          







A casta audácia de Rute expõe o “homem natural” de Noemi
       
         
  Quando Boaz acorda Rute lhe dirige um pedido de casamento, enquanto Noemi queria induzi-la a unir-se sexualmente a Boaz. Em Rt 3:3-5, é clara a intenção de Noemi de usar Rute para seduzir Boaz, de levá-la a deitar-se com Boaz. Noemi diz-lhe para agir despercebidamente, para desfrutar assim da sua superioridade, o fator surpresa: Boaz não aprovaria que ela se achegasse a ele sob a sua tenda, mas- assim raciocina Noemi- , se Boaz for apanhado de surpresa, depois de ter comido e bebido, se despertar do sono e encontrar aquela mulher “disponível” junto dele, então não conseguirá decerto desistir: “Ele mesmo te dirá o que deves fazer” (Rt 3:5).
  De certo modo, Noemi parece reproduzir, ela, a filha de Israel, a mulher de Belém, o comportamento da filha de Ló de quem nasceu Moab, o que quer dizer que os comportamentos desastrados ou maldosos ou desonestos ou abusivos não têm pátria. Noemi sugere um agir astuto para obter uma casa de Boaz através de Rute e poder assim ter um descendente que não pudera ter dos seus dois filhos e poder ser sustentada pelo resto da vida. Rute é uma atriz num cenário preparado por Noemi, mas, na sua obediência, Rute afasta-se das indicações de Noemi, não usa de astúcia e engano, mas de discrição, respeito e inteligência. Rute terá um filho, mas depois do casamento com Boaz (Rt 4:13). É essa a conversão de Rute: uma filha de Ló torna-se filha de Abraão. E repito Rute não age com engano ou com prostituição (como Tamar, que se finge prostituta para se unir com Judá, de quem era nora e a quem Judá não tinha querido dar o seu filho em casamento, desrespeitando assim o costume do levirato) (Gn 38:26). É interessante notar que o filho que nasce da união de Judá com a sua nora era Perez, isto é, a personagem de quem parte a descendência de Davi em Rt 4:18. Rute revela-se justa e, sobretudo, mostra que a sua conversão ao Deus de Israel, passa através da sua afeição a uma pessoa, a Noemi. Passa através de uma vivência humaníssima de amor.
  Vimos que o “homem natural” de Noemi foi exposto completamente através da casta audácia de Rute. Quando estamos em comunhão com a “igreja” todo o nosso ser natural é exposto: ainda que tentemos camuflar as nossas fraquezas e limitações, sabemos no Espírito quem nós somos realmente!























      
Olhando abaixo Da
Superfície:
O amor de Rute cobre
Toda fraqueza de Noemi
 
  O capítulo 3 de Rute não é fácil de entender. Precisamos de uma iluminação adicional do Espírito para que os nossos olhos possam ver as riquezas ocultas nessa parte da palavra. Já vimos que Noemi e as sua “maneira natural de querer fazer as coisas” não cumprem a economia de Deus. Por um lado vemos o anseio profundo de Noemi em querer ajudar Rute a ter um filho de Boaz; porém, por outro lado vemos que a sua intenção e o seu “modus operandi” é de acordo com o homem natural. Disse-lhe Noemi: Minha filha, não hei de eu buscar-te um lar, para que sejas feliz? (Rt 3:1). Daqui até o versículo 5 Noemi segue com o seu plano que, ela mesma, julga ser muito lógico. Rute sendo casta em seu coração nem sequer percebe a astúcia de sua sogra. O amor de Rute em relação à Noemi é cego, é um tipo de amor que “tudo crê”. Talvez por Rute ser uma “Moabita”, Noemi pensou que a ela fosse fácil agir com malícia. Porém, Rute ao nem desconfiar das intenções maliciosas de Noemi, provou que o seu caráter era virtuoso e o seu coração era puro.
  Ao que Rute depois de ter ouvido atentamente a sua sogra disse: “Tudo quanto me disseres farei” (Rt 1:5). E ainda o versículo 6 reforça o caráter puro e submisso de Rute: “Então, foi para a eira e fez conforme tudo quando sua sogra lhe havia ordenado”. A impressão que temos é que Rute cumpriu tudo o que Noemi lhe havia ordenado, porém, quando olhamos abaixo da superfície percebemos que a desenvoltura de Rute foi muito mais virtuosa. É interessante notar que o texto bíblico não expõe de maneira explícita a malícia de Noemi e nem a condena. Realmente essa é a palavra de Deus. A razão disso é que o Espírito de Deus quer nos mostrar que o amor puro de Rute encobriu toda a mancha de malícia existente em Noemi. Deus é soberano sobre as nossas fraquezas, e é certo que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, e que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28).
  Além do mais, apesar do agir natural de Noemi, ainda assim é necessário dizer que “o seu plano” deu certo. “Todas as coisas cooperam” e isso independe se sejam certas ou erradas. Não quero abrir aqui uma comporta para a licenciosidade, apenas estou afirmando que Deus é soberano.
  O fato de Rute ter se esquivado das intenções subtendidas de Noemi, se deve ao fato de que Rute agiu de acordo com o impulso divino em seu coração. Todo o agir honesto de Rute e sem malícia fez com que as intenções desonestas de Noemi fossem expostas. Porém, o próprio livro de Rute não expõe abertamente essa fraqueza de Noemi. É através do agir virtuoso e honesto de Rute que nós contemplamos a verdadeira face de Noemi. Isso significa que sem o agir de Rute as manchas que estão em Noemi ficam ocultas. Quando contemplamos o agir de Rute, então uma grande medida de luz é lançada e as sombras que estão em Noemi são projetadas num quadro à parte, e então podemos ver.
  Em 3:16 Noemi pergunta: “Como se te passaram as coisas, filha minha? E então Rute passa a contar a sua sogra o quanto Boaz lhe foi generoso. E disse ainda: estas seis medidas de cevada, ele mas deu e me disse: Não voltes para tua sogra sem nada” (v.17). A bíblia não diz, porém penso que Noemi ficou bastante surpresa com Rute e Boaz. Boaz a surpreendeu pela sua integridade e generosidade e Rute pela sua postura e discrição. Aqui Noemi ficou clara que o seu julgamento estava errado e as suas suspeitas em relação à Rute eram infundadas. Talvez, até compreendesse agora o porquê Deus permitira que seus filhos casassem com mulheres gentias.
  “Então, lhe disse Noemi: Espera, minha filha, até que saibas em que darão as coisas, porque aquele homem não descansará, enquanto não se resolver este caso ainda hoje” (Rt 3:18). Por fim Noemi percebeu que o Senhor estava encaminhando todas as coisas. Sendo assim aconselhou Rute a “esperar” em vez de agir com precipitação. O coração de Noemi agora descansa. Deus mostrou a Noemi que Ele é Deus. O coração de Noemi descansa porque “aquele homem não descansaria” enquanto não resolvesse aquele caso. Esta é a última fala de Noemi neste livro, e este falar indica o quanto Noemi aprendeu com a sua experiência. A fé de Noemi havia sido fortalecida e agora ela podia descansar; ela crera que o arranjo de Deus havia de ser cumprido. Antes que ela segurasse “Obed” em seus braços, Deus permitiu que ela passasse por grandes amarguras e sofrimentos até que o seu ser natural fosse totalmente quebrado e exposto, e chegasse à conclusão de que os “planos de Deus são infalíveis e jamais podem ser frustrados” (Jo 42:2). Que possamos através da experiência de Noemi afirmar que “Deus em Cristo não descansará até que Ele mesmo tenha a sua obra-prima acabada: A imagem de Seu Filho Jesus Cristo formada plenamente em nós” (Rm 8:29).


















              

                Algumas
          Considerações
              Adicionais                           
              
  Quando Boaz acorda Rute lhe dirige um pedido de casamento, pedindo que ele estendesse a sua capa sobre ela, pois ele era o seu resgatador. Boaz sendo já de idade avançada elogia a benevolência de Rute, sendo esta maior que a primeira, pois ela não foi após nenhum jovem da sua idade, quer fosse pobre ou rico. Isso prova que o interesse de Rute não era satisfazer a si mesma, e sim resgatar a terra que pertencia a seu sogro Elimeleque e suscitar a sua descendência sobre a terra. Aqui vemos que há duas coisas que é do interesse máximo de Deus: O HOMEM E A TERRA.
  Em Gênesis 1:26 o propósito original de Deus para o homem era que este “dominasse sobre toda a terra”. Aqui “toda a terra” estaria sob a jurisdição do homem; essa é a vontade primordial de Deus. Agora será que a vontade de Deus mudou? Acaso Deus não é o mesmo ontem , hoje e eternamente? (Hb 13:8). Posteriormente quando Deus chamou Abraão, baseado na aspiração genuinamente humana de Abraão de ter filhos e terras que pudesse cultivar, Deus revelou o seu propósito: gerar muitos filhos à imagem de Seu filho e levá-los à glória (Hb 2:10), e estabelecer Seu reino eterno aqui na terra (Mt 6:10). A bíblia parece às vezes ser contraditória, pois se a vontade de Deus é que o homem que Ele criou domine sobre “toda a terra”, porque então Ele promete a Abraão apenas uma porção da terra? Deus disse a Josué: “Todo lugar que pisar a planta do vosso pé, vo-lo tenho dado...” (Js 1:3). A questão aqui é que a planta do pé de Josué tinha um limite para pisar. A terra estava delimitada pelos seus limites. Mas, a vontade de Deus não era dar toda a terra para o homem? Porque então Deus delimitou um espaço para o homem dominar? A razão disso não é que Deus tenha mudado o seu propósito original, e sim que o significado dessa porção de terra dada ao homem é espiritual. Ela representa o penhor do Espírito dado como antegozo da plenitude que desfrutaremos na manifestação do reino. De acordo com gálatas 3:14 o Espírito prometido a Abraão é a benção do evangelho, e de acordo com Efésios 1:14 Ele é o penhor da nossa herança, até ao “resgate da sua propriedade”, em louvor da sua glória. Em suma: essa terra tipifica o Espírito todo-inclusivo que se nos tornou a benção do evangelho em que cremos, e que hoje está mesclado ao nosso espírito humano (1Co 6:17) para nos fazer participantes da glória revelada no evangelho na face de nosso Senhor Jesus Cristo (2Co 4:6). Aleluia! Essa é a nossa porção em Cristo!
  Ap 11:15 diz que o reino do mundo se tornará de nosso Senhor e do Seu Cristo. Aqui será o tempo em que o homem reinará e dominará sobre “toda a terra”. Se Deus determinou que o homem reinará, então certamente ele reinará. Aleluia!
  Ao falar sobre a aspiração pura de Rute foi necessário coadunar a sua aspiração genuinamente humana com o propósito de Deus. Pois, Deus sempre se revela através do homem e isso nunca mudará.
  Boaz elogia também a virtuosidade de Rute. “Não tenhas receio” diz a ela, pois “tudo quanto disseste eu te farei” (Rt 3:11). Boaz se dispõe, no que depender dele que redimirá a terra do falecido e ainda desposará Rute.
  Havia um “parente mais achegado”, porém Boaz deixa claro à Rute que se ele não quisesse resgatá-la, ele a resgataria “tão certo como vive o Senhor” (Rt 3:13). Ao dizer que ele consultaria o outro parente “mais chegado” Boaz mostrou-se ser um homem muito justo.
  A expressão “ficou-se, pois, deitada a seus pés até pela manhã e levantou-se antes que pudessem conhecer um ao outro” (Rt 3:14), revela que eles não tiveram nenhum contato sexual antes do casamento, pois a palavra “conhecer” é um eufemismo da palavra “coito”. Em Mt 1:25 é usado o mesmo eufemismo ao afirmar que José “não a conheceu” (Maria) enquanto ela não deu a luz um Filho. “Porque ele disse: não se saiba que veio mulher à eira”. A proteção de Boaz em relação à Rute é plena e total: ele não queria que ela fosse difamada. Ele realmente era um homem justo.
  Boaz ao despedir de Rute lhe dá seis medidas de cevada para que ela levasse à sua sogra (Rt 3:15,17). Recebemos luz do Senhor para vermos que Noemi representa o homem natural. Boaz aqui é um tipo de Cristo. O número seis representa o homem, e a cevada por ser o primeiro cereal a ser ceifado em Israel representa a vida de ressurreição. O fato de Boaz ter deixado a cargo de Rute levar essas seis “medidas de cevada” à Noemi é muito significativo. Todas as coisas que foram escritas na bíblia, “foram escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos tem chegado” (1Co 10:11). Talvez, Noemi não soubesse o significado dessas “seis medidas de cevada”, mas nós cristãos neotestamentários podemos investigar essa riqueza. O significado espiritual é que por meio da “igreja” Cristo canaliza todo o suprimento abundante do Espírito para os membros do seu corpo (Fl 1:19). O fato de Noemi ter uma mancha oculta em sua alma, mostra que ela precisava ser suprida em seu “ser interior” pela vida de ressurreição de Cristo.















                

                 Boaz:
     “A força amansada”          
    
  De acordo com o texto original em Rt 2:1 a expressão usada para definir Boaz é: “Ish Ghibbor” que significa “homem forte”. Essa expressão habitualmente designa um guerreiro. E, além do mais, essa definição coaduna com a época belicosa e turbulenta dos juízes. O próprio nome de Boaz significa “neste está a força”. Mas esta não é a força com a qual os juízes, naquela época garantiam o futuro de Israel. É em vão procurarmos aqui uma força de Sansão. Pois, a despeito da força que havia nos homens, ainda assim não havia um rei e todos faziam o que achavam “mais reto” aos seus próprios olhos (Jz 21:25). A força que estava em Boaz era uma força “amansada”, “moderada”, era uma força de bondade e retidão, de respeito e humanidade.
  Estamos perante o moderado, o que nomeadamente amansa a própria força, para não prevaricar e dar espaço aos outros. Quando Boaz dá instruções aos seus servos para que sejam deixadas espigas por ceifar para Rute, a sua generosidade ao dar-lhe alimento, o seu reconhecimento do que Rute havia feito por sua sogra desconsolada, portanto a sua empatia, a sua capacidade de ver e reconhecer o bem praticado pelo outro, o seu respeito também pelo homem que teria precedência para usar o direito de resgate, e ainda a sua firmeza e inteligência ao ampliar o alcance do uso legal do resgate, acrescentando-lhe também o casamento por levirato como norma humana, portanto, como o que é necessário nesta situação em que se tratava de vir em ajuda de Rute e também de Noemi, tudo isso faz de Boaz um exemplo de moderação, fruto de “força amansada”. Sendo assim Boaz é um tipo perfeito de Cristo.
  Boaz é da linhagem de Judá: a tribo da realeza (1Cr 2:12). Uma das colunas no pórtico do templo edificado por Salomão foi chamada “Boaz”! (1 Rs 7:21). Com certeza, Boaz foi uma verdadeira coluna na economia de Deus. 
  Vimos também que Rute não se utiliza de engano e nem de estratagemas para obter aquilo que deseja, mas se move com respeito, discrição e amor. Não admira que o filho que Rute terá de Boaz venha se chamar “Obed”, servo. Cristo que virá dessa genealogia será o verdadeiro servo de Deus e de seus irmãos. Tanto Rute como Boaz abriram caminho para que o próprio Deus pudesse encarnar-se num homem chamado “Jesus” que se tornou o salvador de todos os homens. Esse é um caminho para Cristo. A verdadeira força é tornar a autoridade em serviço autêntico em prol dos homens. Essa foi a verdadeira obra de Jesus: servir os “homens”!!























        A lei é humanizada
                 Por Boaz

  Duas leis são interpretadas e “humanizadas” de modo inédito no livro de Rute. O “levirato” e o direito de “resgate”. O parente mais próximo era o “go’el” (resgatador), aquele que deveria adquirir o terreno do falecido para evitar a dispersão da herança. Aqui, trata-se do campo de Elimeleque (Rt 4:2-4). Esta lei de acordo com a ordenação de Deus não previa o casamento com a viúva sem filhos (cf.Lv 25:48-49 afirma que o dever da parte do “go’el” (resgatador) era adquirir os terrenos do patrimônio familiar, e nada afirma que ele deveria também desposar a viúva sem filhos). A lei do levirato (a que se faz referência evidente em Rt 1:11-13) previa que o irmão de um homem morto, casado e sem filhos, se unisse a viúva e lhe desse um filho, que se tornaria filho do falecido, para que o seu nome não se perdesse, para dar continuidade à sua estirpe pela linha masculina. As duas leis, que eram distintas, são unidas por Boaz ao fazer o contrato, à porta da cidade, com o parente que o precedia no direito de resgate. A lei do “levirato” e a lei do “resgate” são unificadas por Boaz, e isso é uma atitude inédita em todo o velho testamento. A maneira como Boaz interpreta a lei revela o seu coração alargado e a sua humanidade virtuosa. Não é por acaso que ele fala de Elimeleque como “nosso irmão” em Rt 4:3. Boaz argumenta que se apenas resgatasse o campo que pertencia ao falecido e não levasse em consideração encarregar-se de Rute e dar uma “descendência” ao “nosso irmão” (como ele mesmo diz), seria admitir uma lacuna ética que também merecia ser observada. Justamente por causa da natureza da proposta de Boaz, o parente mais próximo faz dois cálculos lógicos e dá-se conta de que, se concorda em comprar o campo e, depois também em desposar Rute, a propriedade legal do campo caberá ao filho que Rute terá e que será herdeiro legal de Malom e de Elimeleque. Portanto, não lhe convém pagar por um campo que, um dia mais tarde, os filhos de Rute poderão pretender dele como herdeiros legais do falecido marido de Rute. A interpretação dessas leis por Boaz surpreende-nos pela associação do dever humano com o dever ético. Sendo assim, Boaz dá provas de ser um homem íntegro e reto, sendo também, totalmente qualificado para ser um tipo perfeito de Cristo.
  Boaz vai muito mais além da lei que lhe impõe o direito de resgate e, embora não sendo obrigado, porque ele não era “irmão” do falecido (embora o considerasse como “irmão” por uma questão humana, moral e ética), pretende casar com Rute para dar uma descendência a Malom, filho de Noemi e de Elimeleque. Boaz não é um “legalista” que age somente em detrimento da lei estabelecida, ele vai muito além dessa lei, com o fim de ser generoso e perpetuar uma descendência que poderia ter ficada no túmulo se ele não houvesse sido tão misericordioso e humano. Boaz interpretou a lei não de acordo com a letra gravada em pedras, e sim com o seu espírito humano alargado e com o seu coração generoso. Boaz numa época turbulenta em que todos faziam o que achavam “mais reto aos seus próprios olhos” (Jz 21:25) , pela fé, agiu em conformidade com a lei interior do espírito e foi capaz de amar o próximo a ponto de humanizar as leis divinas e cumprir através da “lei do amor” a verdadeira essência dos mandamentos: pois quem ama o próximo tem cumprido a lei (Rm 13:8).
  O verdadeiro caminho para Cristo é quando a justiça se torna humana. Essa é a base da encarnação. Em Cristo a justiça se revestiu de carne. Isso é maravilhoso! Fisicamente falando Cristo tornou-se a nossa justiça objetiva na cruz, e como o “Espírito que dá vida” ele se tornou a nossa justiça subjetiva em nosso espírito (1Cor 1:30, 6:17). Aleluia! Ele é a nossa veste exterior a nos cobrir e nossa veste interior também! É o nosso substituto na cruz que morreu em nosso lugar, e também o Cristo-Espírito que vive em nós em nosso espírito (1Co 6:17) Aleluia!
  A lei humanizada por Boaz reflete o mistério da encarnação de Cristo: a própria justiça se revestiu de carne (Jo1:14) à “semelhança” (porém sem pecado em si)  da carne pecaminosa (Rm 8:3) afim de que fosse condenada nessa “carne sem pecado” a injustiça e o pecado do homem. Isso é maravilhoso!
Uma práxis de humanidade

  Um último elemento que desejo frisar no livro de Rute, o qual é transbordante no livro, é a humanidade dos protagonistas. Sobretudo a humanidade de Boaz e Rute que ousam um amor apesar dos impedimentos. Rute, cujo nome significa “a amiga”, é aquela que se liga por afeto a uma pessoa, a outra mulher, e a segue por onde quer que ela vá. E tornar-se-á uma benção para ela. Tudo isso dentro da mais pura discrição e humanidade.
  O encontro de Boaz e Rute na eira (Rt 3) é sem dúvida uma obra-prima divino-humana nas escrituras sagradas. É divina por sua inspiração subliminar e ao mesmo tempo genuinamente humana em sua natureza. No livro de Rute percebemos que o caminho para Cristo é totalmente humano. Esse caminho para Cristo é visto não na cena pública, de modo estrondoso, clamoroso, mas no segredo, nos corações, ali onde se verifica um encontro na transparência, na simplicidade e na verdade.
  Esta humanidade torna-se solidariedade gratuita e fecunda. É uma humanidade que gera Cristo. Rute faz o bem a Noemi que fica sempre um pouco às costas de Rute, que é a heroína da história mesmo que Noemi esteja muitas vezes na sua sombra a dar sugestões e a tecer a trama. Talvez, no princípio dos acontecimentos, Noemi nem conceda muita importância a Rute, e pareça não lhe dar o reconhecimento adequado. Em Rt 1:19-22, Noemi, regressada ao seu país, lamenta-se do seu destino, repete que partiu cheia e voltou vazia, esquecendo a presença de Rute junto de si. Porém, o seu vazio, o vazio que a atormenta, é o vazio dos filhos: não por acaso, quando Rute, mais tarde, tem um filho, as mulheres de Belém que tinham acolhido Noemi no seu regresso exclamarão: “Nasceu um filho à Noemi” (Rt 4:17). Aqui vemos que a necessidade de “filhos” é genuinamente humana, e que essa necessidade reflete também o desejo de Deus.
  Em Rt 4:14-15 lemos: “Então, as mulheres disseram a Noemi: Seja o Senhor bendito, que não deixou, hoje, de te dar um neto que será teu “RESGATADOR” , e seja afamado em Israel o nome deste. Ele será “RESTAURADOR” da tua vida e “CONSOLADOR” da tua velhice, pois tua nora, que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos.” Essa porção da palavra é maravilhosa! A imagem de Boaz qual aquele que exerceu o direito de “resgate” é passado agora ao filho tido por Rute, que se torna o resgatador de Noemi. Obed, “o servo” é um tipo de Cristo na qualidade de “servo obediente” que veio a terra para RESGATAR, RESTAURAR e CONSOLAR os homens. Isso é maravilhoso!
  Rute não é referida por si mesma, mas em função de ter dado um filho à Noemi. Por isso ela é referida como aquela que “ama” a Noemi (Rt 4:15), não com amor fingido ou egoísta, e sim com um amor gratuito que mesmo depois de ter tido o filho, estava pronta a entregá-lo para que Noemi cuidasse dele (Rt 4:16). Rute cuidou, amou e curou Noemi através do seu amor genuinamente humano. Esse é o tipo de humanidade que gera Cristo. Essa história, por certo verídica e humana, não nos abre um horizonte para a humanidade de Jesus de Nazaré, um humilde carpinteiro, no qual é revelado Deus? Não é de se admirar que Deus com apenas uma palavra criasse mundos e galáxias, e bilhões de itens no universo, no entanto, demorou trinta e três anos e meio para edificar-se como um homem normal entre os homens? Aqui fica claro que o maior milagre em todo o universo é o: HOMEM!!