Rute
Um
Caminho
Para
Cristo
Agradecimentos
Agradeço ao Deus triúno por sua obra de
alcançar-me na graça de nosso Senhor Jesus Cristo através do Seu Espírito,
amém! Todo esse trabalho é resultado de um longo período de meditação na
palavra de Deus; nada do que é abordado aqui procede da minha própria
elucidação (2Pe 1:20); sendo assim devo confessar que a glória é toda de Deus e,
em segundo lugar, confessar que nada disso seria possível se não estivesse
sobre os ombros do único ministério da restauração do Senhor: a edificação do
corpo de Cristo.
Posso
no máximo ter sido usado como um vaso de barro tosco e sem brilho em si mesmo,
porém que Deus aprouve colocar nele um tesouro inestimável: O SEU FILHO JESUS
CRISTO. É a glórias das glórias que Deus pudesse ter montado num “jumento” tão
“xucro” como eu, porém não pude resistir porque o meu Senhor disse: “soltai-o e
trazei-o” (Lc 19:30). É impossível não obedecermos a uma voz tão doce e tão
cheia de graça.
Antes que eu possa enumerar as razões que me
levaram a escrever este livro, é necessário primeiramente dizer que a suma de
toda revelação divina é: CRISTO e a IGREJA. Isso significa que devemos duvidar
de qualquer interpretação bíblica que não tenha CRISTO e a IGREJA como centro.
Nesse aspecto devemos ser “um” com o nosso amado irmão Whatman nee, que jamais
ousou qualquer interpretação que não fosse embasada nesse grande mistério:
CRISTO e a IGREJA. Na bíblia existem muitas verdades “colaterais”, porém, tudo
deve cair dentro do “único vaso” que expressa o “único tesouro”, a saber:
CRISTO e a IGREJA. É com muita reverência que exponho essa verdade, pois Deus
sabe o quanto temo e tremo ao falar da “menina” dos Seus olhos: a Sua IGREJA
GLORIOSA!!
Para empreendermos uma interpretação correta
de qualquer gênero literário precisamos conhecer a mente do autor. E essa regra
não é exceção quando se interpreta os textos bíblicos. Em resumo, a “mente de
Deus” é a mente mais misteriosa de todo o universo, porém, essa “mente” que é a
“mente do Espírito” em Rm 8:27 e a “mente de Cristo” em 1Co 2:16, mesclou-se com
o nosso espírito ( 1Co 6:17) quando nascemos de novo (Jo 3:6). Ter a “mente de
Cristo” não significa que a nossa mente deve ser substituída pela Dele, e sim,
que a nossa mente deve ser mesclada com a “mente de Cristo” que está em nosso
espírito. A obra de Deus no homem não é “substituí-lo” por Deus, porém,
“mesclá-lo” com Deus. Embasados nessas verdades vamos adentrar pelo “espírito”
nas profundezas de Deus, ancorando a nossa mente muito além do véu a fim de
compreendermos juntamente com “todos os santos” qual é a largura, e o
comprimento, e a altura, e a profundidade e conhecer o amor de Cristo, que
excede todo entendimento, para que sejamos tomados de “toda a plenitude” de
Deus (Ef 3:18,19).
Esse comentário do livro de Rute não pretende
esgotar todas as riquezas nele contidas; também o objetivo não é fazer uma mera
exposição das escrituras, antes o meu foco é revelar a humanidade do livro,
mostrando como Deus em Cristo de fato nos alcançou por meio de “cordas humanas”
(Os 11:4). Sendo assim, “todo o velho testamento” é um prelúdio à encarnação de
Cristo, que é o ponto máximo na economia de Deus, pois Cristo é Deus
manifestado em carne (1Tm 3:15). Em segundo lugar mostrar que a cooperação do
homem com Deus é fundamental para que a economia de Deus seja levada a cabo.
Isso significa que no novo testamento o Deus que “tornou-se carne” também
“tornou-se o Espírito que dá vida” (1Co 15:45) a fim de viver e “mover-se” a
partir do “espírito mesclado” (1Co 6:17) do homem regenerado. Em terceiro lugar
mostrar que o livre arbítrio do homem não é “pleno e total” (pois o homem
jamais será participante da Deidade de Deus) e que ele foi criado com um
propósito muito particular: Conter Deus em seu espírito. O livre arbítrio do
homem está na esfera humana, sendo assim, há uma esfera divina que está sob a
jurisdição de Deus somente. O livro de Jó mostra isso. Houve uma conferência
entre Deus e Satanás e algo foi decidido em relação à vida de Jó, sem que ele
soubesse ou pudesse interferir. Deus de maneira nenhuma violou a liberdade de
Jó, porém Satanás acusou Deus de encher a vida de Jó de “bens” comprando assim
a sua obediência. Acaso o homem pode servir a Deus gratuitamente mesmo cercado
de miséria? Baseado nessa premissa Satanás pediu a permissão de Deus para
provar o seu ponto de vista. Então Deus permitiu. Porém, Deus de maneira
nenhuma violou a liberdade de Jó. O homem é parcialmente livre, nas coisas
humanas ele deve gerir todas as coisas, porém nos assuntos divinos ele é
limitado (pois o homem só tem o poder de cooperar com as coisas divinas e não
determiná-las). Assim como Deus limitou-se ao assumir a figura humana, o homem
também é limitado quando entra na esfera divina. Essa “coienerência” de mútua
limitação de ambas as partes é que torna possível a união, a mescla e a
incorporação do divino com o humano. Assim como não foi fácil para Deus que é
ilimitado esperar trinta e três anos e meio para edificar-se como um homem
normal (pois Deus precisou de muito mais tempo para edificar-se como homem do
que para criar o universo), assim de igual modo também não é fácil para o homem
edificar-se na divindade. Além da revelação central das escrituras que é CRISTO
e a IGREJA, ou seja, Deus e o homem se tornando um “casal divino-humano” também
veremos algumas verdades “colaterais” que fazem parte do processo de tornar o
homem “um com Deus”. A obra da cruz é profundamente revelada no livro de Rute,
sendo assim, veremos que para Deus levar a cabo Sua obra de transformar o homem
em Sua “obra-prima” a cruz de Cristo precisa operar profundamente no homem. Só
assim haverá uma maneira prática e viva para o homem ser conformado à imagem de
Cristo. Espero que a luz contida no livro de Rute possa alcançar o nosso
espírito e fazer com que vejamos que a humanidade de Cristo é o principal
fundamento da “obra-prima” de Deus que é a: A NOVA JERUSALÉM, A COMPOSIÇÃO DOS
REDIMIDOS E MESCLADOS COM DEUS.
Sou um simples membro do corpo de Cristo e de
maneira nenhuma tenho a intenção de colocar o meu próprio nome nesse livro,
pois uma pessoa tão cheia de pecados como eu, certamente não é digna disso.
Espero apenas que a verdade da palavra fale por si mesma e que mais uma vez um
embrião dessa verdade tenha sido lançado. É claro que tudo o que podemos saber
é apenas uma “parcela” e nada mais do que isso dentro do único corpo de Cristo
que é a “multiforme sabedoria de Deus” (Ef 3:10). Sendo
assim, dedico a obra ao meu Senhor e Salvador Jesus Cristo que vive e reina
para sempre. Amém!
Graça e paz da
parte de Deus Pai mediante Jesus Cristo
Nosso Senhor que
vive e há de reinar para todo sempre Amém!
Um breve
esboço
Do
Livro de
Rute
1.
O
DEUS QUE SE OCULTA. Rt 1:1-5 é a abertura do livro. Essa abertura é trágica,
porém é dessa parte escura da história que Deus brilhará. O ponto central do
livro é a encarnação de Cristo que será possível através de cordas humanas (Os
11:4). Deus tornar-se homem para que o homem se torne Deus é o pensamento
central do livro.
2.
O
MILAGRE DE FALTAR PÃO NA CASA DO PÃO. Antes que Cristo nascesse em Belém da
Judéia não havia um pão verdadeiro que
fosse capaz de alimentar a fome interior do homem. Sendo assim a falta de pão
em Belém no tempo de Rute simboliza a falta de Cristo para o homem. Deus ao
encarnar-se em Cristo providenciou ao homem um meio de salvação do pecado, dos
pecados e também providenciou para o homem um alimento espiritual que é Ele
mesmo em Cristo pelo Espírito sendo dispensado nas três partes (espírito, alma
e corpo) do homem.
3.
O
CAMINHO DA RESSURREIÇÃO: TRÊS MORTES PRODUZEM TRÊS VIÚVAS. Deus em Sua economia
trabalha Cristo no homem por meio da cruz. O Espírito Santo usa a cruz de
Cristo como a única instrumentalidade para transformar o homem à imagem e
semelhança de Cristo. No livro de Rute fica claro o princípio de que a vida de
ressurreição de Cristo só trabalha a partir da morte. Antes de participarmos do
Espírito de poder do “pentecostes” precisamos nos unir a Cristo no “Gólgota”.
4.
A
CASCA DO HOMEM EXTERIOR É QUEBRADA: A AMARGURA É EXPOSTA. O objetivo do operar
da cruz é fazer o homem natural morrer. O objetivo do operar da cruz não é nos
fazer sofrer e sim nos matar. Assim como Noemi também devemos ser levados a um
ponto em que perdemos “toda a esperança” em nós mesmos. Quando o marido e os
dois filhos de Noemi morreram, a esperança dela morreu junto. Esse é o operar
da cruz. Enquanto haver um resquício de esperança em nós, Deus não poderá
manifestar em nós a Sua vida de ressurreição.
5.
A
CASCA DO HOMEM EXTERIOR É QUEBRADA: UM CAMINHO PARA CRISTO. Quando o operar da
cruz atinge o seu objetivo então um caminho para Cristo se expressar em nós é
aberto.
6.
BELÉM:
CASA E PÃO. Através de Rute Noemi não apenas é provida de pão (alimento) e sim
também de casa (família). O pão é uma figura de Cristo (Jo 6:35) e casa é uma
figura da igreja. O pão representa Cristo como a corporificação de Deus, e a
casa representa a igreja como o corpo de Cristo. Essas duas verdades são o
mistério do evangelho e Deus deseja que todo homem conheça plenamente essas
verdades (1Tm 2:4).
7.
CASUALIDADE:
A ASSINATURA DE UM DEUS INVISÍVEL. Deus em Sua economia se move de uma maneira
misteriosa. Casualmente Rute encontrou-se no campo de Boaz, aquele que
posteriormente iria casar-se com ela e redimir o campo que pertencia a
Elimeleque. Olhando de fora tudo isso parece uma obra do acaso, porém se
conhecermos a economia de Deus nos daremos conta de que tudo coopera para o
propósito de Deus. Deus tem uma roda dentro de outra roda (Ez 1:16) e o mover
dessa roda às vezes atinge uma altura que mete medo (cf.v18). É verdade que
essas rodas dão “cambotas” que às vezes ficamos assustados e perplexos, porém
esse é o mover de Deus. Aqui nesse ponto precisamos até questionar o livre
arbítrio do homem que Deus criou. Até as circunstâncias trabalham a favor de
Deus, e isso é claro, revela a magnitude do mover das “rodas” da economia de
Deus. O livro de Rute trás à tona a questão da soberania de Deus; diante de
tudo isso precisamos investigar a liberdade que Deus outorgou ao homem. Como Deus
é capaz de levar a Sua economia a cabo num mundo tão cheio de pecado, sem
interferir na liberdade do homem? Fazem mais de dois mil anos que Cristo
consumou a obra de redenção em favor do homem e prometeu voltar sem demora,
porém, para que Ele possa voltar, a igreja precisa estar edificada; a palavra
de Deus já está a vários séculos em poder do homem e ainda essa palavra não
produziu o filho varão (Ap 12), além do mais, vemos muitas atividades externas
no cristianismo, tem-se acumulado muita palha, muito feno e muita madeira, tudo
o que existe é um grande volume de obras mortas e sem vida. No meio de tanta
bagunça precisamos estar descansados debaixo das asas do altíssimo, e saber que
Ele é soberano e que Ele mesmo em cooperação com o homem levará a cabo a Sua
obra. A demora de Deus se deve ao fato de Ele mesmo estar confinado no homem.
Quando o homem avança Deus avança. Quando o homem retrocede Deus retrocede. Soberanamente
Deus determinou assim. Precisamos cooperar com Deus.
8.
RUTE
UMA REBUSCADORA DE ESPIGAS. Deus determinou que houvesse um único ministério
neotestamentário que é o ministério da edificação do corpo de Cristo (Ef 4:12).
Rute trabalhando no campo de Boaz representa o nosso trabalhar no único campo
da restauração do Senhor para edificar um único corpo de Cristo. As espigas
representam as riquezas da vida de Cristo. Noemi foi sustentada apenas pelas
espigas colhidas naquele campo, significando que devemos suprir as pessoas com
as riquezas da vida de Cristo produzidas pelo único ministério. Depois da
colheita Rute casou-se com Boaz. Hoje a igreja do Senhor vive num período de
intensa colheita, colhendo espigas frescas a partir da obra consumada de Cristo
no único ministério da restauração do Senhor e alimentando com elas a fome
espiritual dos filhos de Deus. Por fim a igreja estará casada com Cristo.
9.
RUTE
ACHA GRAÇA AOS OLHOS DE BOAZ. A igreja peregrina é contemplada por Cristo. Aos
olhos de Cristo a igreja é sem mancha e sem ruga: ela é GLORIOSA. Essa também
deve ser a nossa perspectiva. Aos olhos de Deus O que a igreja “faz” não é tão
importante quanto aquilo que a igreja “é”: a igreja é a esposa do cordeiro.
Isso é muito verdadeiro, porque quando amamos alguém o que essa pessoa faz não
é tão significativo quanto aquilo que essa pessoa representa para nós. Essa
porção do livro de Rute revela o quanto Cristo aprecia a Sua igreja.
10.A
CONVERSÃO DE RUTE. O livro de Rute narra, acima de tudo, a história da
conversão de uma gentia. O livro que precede o livro de Rute é o livro dos
Juízes. Nesse livro podemos dizer que a rejeição dos filhos de Israel chega ao
máximo; o último versículo do livro dos juízes conclui: “cada um fazia o que
achava mais reto” (Jz 21:25). Essa situação aos olhos de Deus era o máximo da
rejeição do seu povo. Deus precisava de alguém que abrisse caminho para o
reino. É aí que Rute entra na história. Rute é uma figura da igreja, ela
representa a plenitude dos gentios. O Senhor veio para o que era seu, porém os
seus não o receberam (Jo 1:11). Mas, a “todos quantos o receberam...” ( Jo
1:12). De acordo com a palavra de Deus só há dois tipos de pessoas sobre a
terra: os que não o recebem, e os que o recebem. Não há um grupo de pessoas
intermediárias. Sendo assim, Rute é uma representante daqueles que recebem a
Cristo. Deus esperava achar fé em Israel, porém o único que foi capaz crer foi
Naamã, o Ciro. Havia muitas viúvas em Israel no tempo de Elias, porém somente a
viúva de Sarepta teve fé para acolher o homem de Deus. Assim também havia
muitas filhas de Israel para que se casassem com os filhos de Noemi, porém Deus
em seu arranjo soberano foi buscar uma “Moabita” na terra de Moabe. Na história
de Rute vemos em sombra o mistério que esteve oculto dos séculos e das
gerações: A Igreja. Esse livro é profético e nos mostra em sombras e figuras
que o desejo de Deus era ter a igreja.
11.A
CASTA AUDÁCIA DE RUTE EXPÕE O HOMEM NATURAL DE NOEMI. Nessa porção o homem
natural de Noemi é exposto completamente. Aqui nos é revelado um tratamento
adicional da cruz. Sempre temos um plano, uma “carta na manga”. Porém,
precisamos ver que tudo está nas mãos Daquele “homem” e que Ele não
“descansará” até que faça com que sejamos perfeitos na vida divina. Esse
“homem” que é Cristo não “descansará” até que case com a igreja. Não precisamos
“tramar nem um plano” nem um “atalho” para que isso aconteça. Só precisamos ser
conduzidos pelo amor de Cristo e Ele nos conduzirá às suas recâmaras e ali
desfrutaremos do Senhor. Só precisamos orar: “Leva-me após Ti” (Ct 1:4).
12.OLHANDO
ABAIXO DA SUPERFÍCIE: O AMOR DE RUTE COBRE TODA FRAQUEZA DE NOEMI. A fraqueza
de Noemi não é exposta de maneira explícita. Só percebemos a sua fraqueza
através da castidade de Rute. A fragrância do amor de Rute é tão doce que não
notamos o odor pútrido das obras da carne de Noemi. Se não conhecermos o amor
de Cristo em sua largura, e comprimento, e altura, e profundidade (Ef 3:18) não
seremos capazes de rescender uma fragrância doce de qualidade puramente divina.
13.ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES ADICIONAIS. No cerne do livro de Rute está o pensamento que
governa o coração de Deus. A “terra” representada pelo campo de Elimeleque, e o
“filho” gerado por Rute que representa Cristo gerado na igreja. Deus também
deseja ter muitos filhos que sejam “irmãos” de Cristo (Rm 8:29) e que expulsem
a Satanás e seus demônios e “dominem” a terra (Gn 1:26, Mt 6:10). O filho
gerado por Rute é “Obed” que significa “servo”. Portanto Obed é um tipo de
Cristo que veio para “servir” e dar a Sua vida para os homens. É importante
notar que o filho varão em Ap 12 é uma reprodução em massa do próprio Cristo;
num certo sentido a igreja hoje está gerando esse “Obed” que servirá a Deus
expulsando Satanás do céu. Isso porque a igreja é um espelhamento de Cristo,
sendo assim tudo o que está relacionado a Cristo nas profecias da bíblia também
está relacionado à igreja. Tudo o que diz respeito à cabeça também atinge o
corpo.
14.BOAZ:
A FORÇA AMANSADA. Cristo para a igreja é o cordeiro de Deus. O cordeiro está
relacionado com a graça. Toda vez que nos voltamos para Cristo nos deparamos
com um cordeiro. Na era da graça esse cordeiro é manso e inofensivo. Porém, na
era do reino Ele será o “leão” da tribo de Judá. Um leão é implacável. Nessa
era Deus não agirá com graça e sim com justiça. A esfera do reino é uma esfera
de justiça. O livro de Mateus que é um livro que aborda a justiça para o reino
vem antes de Lucas que fala da graça. Isso significa que antes de ser graça,
Deus é justiça. No novo testamento o rosto do leão aparece antes do rosto do
cordeiro. Porém, não obstante Cristo seja o leão, ainda assim a força desse
leão está amansada, pois para aqueles que amam a sua justiça hoje, Cristo será
sempre o cordeiro.
15.A
LEI É HUMANIZADA POR BOAZ. Aqui nós chegamos ao ápice da revelação da economia
de Deus no livro de Rute. A lei é um retrato de Cristo que é a corporificação
de Deus. A lei humanizada por Boaz representa a encarnação de Cristo. Em Cristo
está também implícita a igreja. O mistério de Cristo e a igreja estão dentro de
outro mistério: Deus manifestado em carne (1Tm 3:15). Essa é a economia de
Deus: Deus se tornou homem para que o homem se torne Deus.
16.UMA
PRÁXIS DE HUMANIDADE. Toda a bíblia concorre para um único propósito: Deus
deseja fazer da humanidade criada a sua habitação pela eternidade. Por isso
toda a revelação divina só atinge um ser em todo o universo: O HOMEM!
Prólogo
O livro de Rute é com certeza um livro
cheio das expressões e riquezas da vida abundante de Cristo. O surpreendente
nesse pequeno exemplar divino é a humanidade amorosa de um casal que se tornou
pelos seus atos de justiça um canal para que a graça de Deus alcançasse os
homens. O Deus triúno como o “O Deus que se oculta” não se limita a ser apenas
um expectador do sofrimento humano; Ele próprio se fez homem em Cristo e tomou
sobre si as nossas dores e pecados e todo o sofrimento humano e os colocou na
cruz para sempre. É a atitude auto doadora de Deus na dádiva de seu próprio
Filho que nos convence de que Ele não reterá nada de nós daquilo de que
precisamos, e não permitirá que nada nos separe do Seu amor (cf.Rm 8:32,35-39).
O livro de Rute abre caminho para que Deus em Cristo alcance o homem com Sua
graça a fim de que Ele se torne o “nosso Emanuel” por meio da encarnação.
Olhando por esta perspectiva o livro de Rute é um caminho preparatório para a
encarnação de Cristo. O ponto de convergência desse livro é o próprio Cristo
que surgirá de uma geração humana que o cultiva em seus corações. Quando Cristo
se encarnou havia um grupo de pessoas aqui na terra que aguardava as promessas
de um Salvador. É sempre assim, Cristo se revela sempre que um coração sedento
se volta para Ele. Na eternidade passada Deus planejou uma relação
divino-humana com o homem, um ser criado à Sua imagem e semelhança, e a nova
Jerusalém é a consumação desse plano divino. O livro de Rute nos revela que a
economia de Deus é que Deus em Cristo deseja ser formado no homem e assim
cumprir o Seu plano divino de ser um com o homem criado. Como veremos o livro
de Rute é um livro “todo bondade” que nos faz penetrar nas profundezas do
Espírito de Deus e compreender os mistérios da Sua economia divina.
O deus que se oculta
O Deus triúno é sempre um Deus que se
oculta. As ações de Deus quase sempre se manifestam por detrás dos
acontecimentos humanos. Aqui não é diferente, o Deus que se oculta está nos
bastidores da história como Aquele que vê e dirige toda a cena que se passa na
terra. O Deus que se oculta é revelado através das ações dos homens que foram
criados “com e para” o propósito de receberem o Deus triúno como o conteúdo e
elemento constituinte de suas vidas. Uma vez que o homem foi criado “com e
para” um propósito específico, então o seu criador pode “cercar” a sua
liberdade (sem com isso violar a liberdade do homem), e limitar até mesmo as
suas ações (não no próprio homem, e sim nas circunstâncias deixando assim o
homem livre para decidir) a fim de reconduzi-lo ao propósito para o qual ele
foi criado. Acaso pode o vaso discutir com o oleiro? (cf.Rm 9:20). Nesse livro
o direito soberano de Deus sobre o homem é revelado. Isso significa que só há
liberdade verdadeira para o homem quando este cumpre o propósito para o qual
foi criado. Esta é a base legal de Deus que o permite intervir na história do
homem. Esta é a base sobre a qual Ele pôde encarnar-se. O Deus triúno pôde
revestir-se da humanidade por que Ele é o Senhor e Criador do homem. É claro,
se darmos importância demasiada ao direito legal de Deus sobre o homem não
tocaremos as profundezas desse livro. É necessário um equilíbrio. Isso
significa que Deus jamais agirá sem a cooperação ativa do homem. A revelação
intrínseca no livro de Rute é a mescla da humanidade com a divindade; é claro
que isto está subtendido no âmago do livro, não é uma revelação superficial o
que significa que precisamos tocar o Espírito em vez da letra preta no papel
branco. Deus não criou o homem apenas para ter direito legal sobre o homem,
antes Deus o criou para que “Deus e o homem” o “homem e Deus” fosse um casal
universal por toda a eternidade. Isso significa que quando Deus criou o homem
Ele criou um “corpo para si mesmo”. Isso é profundo e misterioso. Precisamos
perceber que por toda a extensão das escrituras é as ações dos homens que fazem
emergir as ações de Deus. É claro que a ação do homem não antecede a ação de
Deus, pois Deus é Quem está sempre no “leme” do barco. “Tudo é Dele, por Ele e
para Ele” (cf.Rm 11:36), porém é preciso notar que a ação do homem é a única
alavanca que pode fazer com que Deus se mova em Sua economia. Num certo sentido
o “ilimitado” está sujeito ao “limitado”. O próprio Deus limitou-se quando se
encarnou em Seu filho e foi reconhecido em figura humana; sendo assim, o
princípio da “encarnação” foi estabelecido como algo central na economia de
Deus. Nem mesmo Deus poderá anular esse princípio. Isso significa que a
cooperação do homem é imprescindível para que Deus possa levar a Sua vontade a cabo.
Baseados no princípio da encarnação podemos afirmar que a importância do homem
para Deus é de uma particularidade muito singular.
O Deus que se oculta sempre se ocultará por
detrás do homem. O homem será por fim o esconderijo eterno de Deus. E Deus será
por fim o refúgio eterno do homem. Criador e criatura por fim partilharão da
mesma morada eternamente. A nova Jerusalém será nada mais do que uma morada
mútua entre Deus e homem por toda a eternidade. No livro de Rute Deus aparece
apenas nos lábios dos protagonistas. Deus neste livro refugia-se por detrás do
invocar da alma angustiada. Deus é balbuciado por lábios cheios de amarguras e
tristezas. No entanto os homens protagonizam na terra enquanto o Deus que se
oculta observa o momento propício para que Ele possa entrar em cena. O que O
fará reagir é um coração de uma mulher estranha à raça eleita. Até mesmo uma
mulher representante de um povo amaldiçoado. Esse coração desperta em Deus uma
vontade infinita de buscá-lo. Lá do céu onde Deus habita em luz inacessível (cf.1Tm
6:16) Ele vê um coração desperto para Ele, e ainda que este coração seja
estranho a sua promessa ele é amável e querido ao Seu propósito eterno. É este
coração que nos faz entender o salmo 87:
Fundada por Ele sobre os
montes santos,
O Senhor ama as portas de Sião
Mais do que as habitações
todas de Jacó.
Gloriosas coisas se têm dito de ti,
Ó cidade de Deus!
Dentre os que me conhecem,
Farei menção de Raabe e da
Babilônia;
Eis aí Filístia e Tiro com Etiópia;
Lá, nasceram.
E com respeito a Sião se dirá:
Este e aquele nasceram nela;
E o próprio Altíssimo a
estabelecerá.
O Senhor, ao registrar os
povos, dirá:
Este nasceu lá.
Todos os cantores,
Saltando de júbilo, entoarão:
Todas as minhas fontes são em
ti.
Este salmo é muito profundo. Ele mostra a
inclusão dos “gentios” na salvação de Deus. “Babilônia”, “Filístia”, “Tiro com
Etiópia” são aqui parte de Sião. Esses povos serão registrados por Deus como
sendo aqueles que nasceram em Sião. Isso é maravilhoso. Com certeza Rute, uma
Moabita tem parte na Sião celestial. O Deus que se oculta está oculto não
apenas por detrás de um acontecimento ocasional; Ele é encontrado também no
segredo de um coração penitente e singelo. Até mesmo nas dobras de uma vida
anônima e sem aparência. O Deus que se oculta desprezou o luxo de um palácio
para nascer num estábulo e ser posto numa simples manjedoura. A nossa mente
humana não consegue compreender tamanha humildade e graça. Resta-nos apenas
crer e desfrutar de tamanha misericórdia! Aqui não é diferente, o Deus que se
oculta busca numa mulher Moabita um coração que Ele não encontrou nem mesmo
entre as filhas de Israel. Rute foi aquela que abrigou em si não apenas uma
linhagem que culminaria em Cristo, mas também foi aquela que gerou em seu
coração e alma um elo divino com Cristo eternamente. O Deus que se oculta
sempre buscará ocultar-se no âmago dos corações sedentos por Ele. Eis a
história de Rute: uma Moabita que conquistou o coração de Deus!
O milagre de faltar pão na casa do pão
O livro de Rute relata uma história
contemporânea à época dos Juízes. Porém em seu conteúdo fica subtendido que se
trata de um livro de transição. No último versículo do livro precedente somos
informados: “Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada um fazia o que achava
mais reto.” O livro de Rute termina com uma genealogia que culmina em Davi.
“Davi” é a última palavra neste livro, e isto é muito significativo. Rute é o
caminho que introduz a era dos reis. Na época dos Juízes cada um fazia o que
“achava mais reto”. Deus precisava introduzir o reino, e para isto Ele
precisava de alguém que pudesse mudar aquela era. O governo de Deus precisava
ser estabelecido. Portanto o livro de Rute é um livro transitório. Esta perspectiva
nos ajudará compreender este livro.
Elimeleque junto com sua família vivia
tranquilamente em Belém. Tudo estava em paz e tudo ia bem. Porém somos
informados na abertura deste livro de que “houve fome na terra” (cf.Rt 1:1). Essa
fome foi tão grave que forçou Elimeleque e sua família a buscar pão na terra de
Moabe. Assim Elimeleque tornou-se estrangeiro numa terra estranha! Longe de seu
povo e de sua língua aventurou-se até que expirou. Triste fim para um herdeiro
da promessa: morreu longe de sua terra natal e ainda no meio de um povo
estranho! Deixou a esposa com dois filhos... Ao léu de uma terra amaldiçoada e
longínqua!
Daqui
em diante começa o drama de Noemi e seus dois filhos: Malom e Quiliom. A dor de
ter perdido o marido mais tarde se intensificaria ao perder também os filhos.
Triste destino de uma família. Antes que isso acontecesse os seus dois filhos
tomaram por mulheres duas moabitas: uma chamada Orfa e a outra Rute.
A curta história dessa família chega ao fim
quando os filhos de Noemi também morrem. Não temos na narrativa nenhuma
informação adicional a respeito dessas mortes, a causa não é revelada. O mistério
dessas mortes revela o caráter insondável das engrenagens das rodas da economia
de Deus, pois Deus tem rodas girando dentro de outras rodas (cf.Ez 1:16).
O sol que nasce brilhante e esplendoroso nem
sempre aparece brilhante todo o dia; às vezes alguma neblina que sobe da terra ou
até mesmo algumas nuvens vem para por algum tempo ofuscar o seu brilho. É certo
que o sol em si mesmo nunca deixa de brilhar, ainda que esteja encoberto
temporariamente por algo externo. Assim é o caso de Noemi; o sol da sua vida
ocultou-se por alguns instantes por detrás de densas nuvens negras, porém como
veremos ao dissipar as nuvens o sol reaparecerá ainda mais brilhante.
A nossa narrativa em eu início parece
desprovida de sentido. Pois é em Belém (que significa: “casa do pão”) que
faltou pão. Esse arranjo só pode ser divino; se virmos com olhos espirituais
esse fato, veremos a mão soberana de Deus conduzindo a situação. Sempre quando
estamos diante de uma situação que não entendemos, devemos perceber a “mão
divina” que trata conosco. O nome “Belém” em sua raiz hebraica também significa
“família”. Isso é muito significativo. Noemi quando habitava em Belém com sua família,
faltou-lhe o pão. Agora em Moabe foi provida de pão, porém perdeu sua família. Em
Belém tinha família e não tinha pão, em Moabe tinha pão, porém perdeu a
família. Que situação!
Faltar pão na “casa do pão” foi um milagre. É
sempre assim, Deus prova o homem antes de aprová-lo. Deus permitiu que faltasse
pão a Abraão na terra da promessa! Não foi diferente com Isaque e nem Jacó. A
aparente contradição entre o espiritual e o terreno reside dentro do homem.
Somente o olhar da fé pode nivelar os dois planos.
É interessante notar que Deus alcançou Rute
através da fome em Belém. Enquanto Elimeleque e sua família careciam de pão em
Belém, Rute era sustentada secretamente em Moabe. Enquanto Elimeleque e sua
família padecia fome em Belém, Deus também estava com fome, porém somente um
coração que estava na terra de Moabe poderia alimentá-lo. A fome de Deus também
precisava ser saciada!
Temos aqui dois milagres: o de não haver pão
na “casa do pão” e o de haver um coração faminto por Deus em Moabe.
O caminho da ressurreição:
Três mortes produzem três viúvas
Em Gênises 3 a morte entrou no homem. O
poder da morte é o mais forte inimigo dos homens. Porém, Deus em Sua sabedoria
fez da morte o caminho para vida. É por meio da morte que Cristo venceu a
própria morte; Cristo venceu o maior inimigo do homem no próprio terreno da
morte. No livro de Rute três mortes produzem três viúvas; três mortes abrem
este livro de uma maneira trágica e triste. É sempre assim, a morte abre e
destranca a vida latente que está na semente (cf.Jo 12:24). A morte entrou na
humanidade, e agora Deus trabalha com a própria morte no terreno da própria
morte. Satanás tem liberdade de chegar até a morte; Deus trabalha além dela.
Toda obra de satanás termina com a morte; Deus começa “com e a partir da
morte”.
A família de Elimeleque no livro de Rute
representa a degradação de todo o povo de Israel. Aos olhos de Deus todo o povo
de Israel estava degradado. A expressão “Naqueles dias, não havia rei em
Israel; cada um fazia o que achava mais reto”(cf.Jz 21:25) revela a situação do
povo de Israel aos olhos de Deus. O nome “Elimeleque” significa “Deus é meu
Rei”, porém esse nome era apenas um nome sem realidade, pois Elimeleque vivia
de acordo com aquilo que “achava mais reto”. Deus não reinava em sua vida, ele
apenas ostentava um nome de fachada. Os seus filhos, Malom e Quiliom
representam a condição interior do povo de Israel. Através do significado de
seus nomes é possível diagnosticar os males espirituais do povo de Israel.
Malom significa “doença” ou “adoentado”; Quiliom significa “definhamento” ou
“ruína acabada”. O povo de Israel aos olhos de Deus estava doente, definhado e
arruinado. Talvez os filhos de Elimeleque nascessem debilitados em sua saúde,
este pode ter sido o motivo de receberem nomes dessa natureza. Seja como for o
caso, a questão é que eles se tornaram uma grande parábola nessa narrativa.
Noemi é que sofrerá a maior dor, pois ao perder o marido e os filhos ficará totalmente
desamparada. Noemi representa a falta de esperança de Israel produzida pela situação
de morte que eles estavam. Por fim Noemi representa o homem natural que por
fora aparenta “doçura” (a raiz hebraica do nome “Noemi” significa “doçura”)
porém quando a casca natural é quebrada toda a sua “amargura” é exposta. Até
aqui vimos que a morte reina já desde a abertura desse livro, porém como
veremos essas mortes são apenas instrumentos nas mãos Daquele que “Cria tanto
as trevas como a luz” (cf.Is 45:7).
Deus
tinha o propósito de chegar a Rute. Deus moverá céus e terra para chegar ao
coração de quem lhe agrada. “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que
amam a Deus; daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (cf.Rm 8:28).
“Todas as coisas” inclui a morte também. Aleluia! Até a morte tornou-se
cooperadora de Deus!
O inverno sempre antecede a primavera. No
inverno muitas formas de vida são reduzidas, principalmente as vidas
“adoentadas” e “definhadas”. Na abertura desse livro o inverno ceifa três vidas
frágeis, sendo duas arruinadas e uma sem raiz profunda. A expiração de três
homens funde-se com a vida que sobressai na primavera; o capítulo 1 de Rute
começa com um inverno ceifando algumas vidas e termina com a ressurreição
representada pela sega da cevada. Começa com inverno e termina com primavera.
Começa com morte e termina com vida. A morte fará emergir um novo nascimento
que culminará em Cristo. O livro que começa em meio a uma situação de morte
terminará com uma genealogia aberta a um futuro glorioso e promissor.
A casca do homem exterior é quebrada:
A amargura é exposta
Já
vimos que aos olhos de Deus só há um caminho para a ressurreição: a morte.
Abraão retardou em vários anos o chamamento de Deus por causa de seu pai.
Porém, um dia a morte de seu pai “Terá” (que significa “retardador”) em
Padã-Harã, providenciou a Abraão a oportunidade de obedecer ao chamamento de
Deus. É sempre assim, a morte é um “mal necessário” à economia divina.
Rute
1:1-5 é uma porção trágica, porém necessária a economia de Deus. O versículo 6
diz: “...Então, se dispôs ela com as suas noras e voltou da terra de Moabe,
porquanto, nesta, ouviu que o Senhor se lembrara do seu povo, dando-lhe pão.”
Aqui o Senhor é lembrado por Noemi de maneira indireta; ela “ouviu” na terra de
Moabe que o Senhor se “lembrara do seu povo, dando-lhe pão”. O homem natural
sempre se move de acordo com suas necessidades físicas. Noemi não recebeu um
chamado direto do Senhor para voltar a sua terra; Noemi andava somente por meio
de seus sentidos externos, por isso ela só pôde “ouvir da boca dos outros”
aquilo que Deus estava fazendo em Belém. Os olhos de Noemi estavam postos
apenas na sua “dor e subsistência”. Sendo assim não tinha ouvidos internos para
ouvir os sussurros de um Deus vivo que nunca dorme. Sem marido e sem filhos lhe
ocorria um medo voraz de ficar desamparada e sem sustento. Pois agora quem lhe
sustentaria? As suas noras uma vez que seus maridos morreram, estavam livres
para construir outra família. Elas
tinham direito legal para isso. Atrás de si Noemi contemplava três mortes, e a
sua frente um futuro desconhecido. Não devemos de maneira nenhuma condenar
Noemi, e sim através de sua experiência olhar para nós mesmos. Esta porção da
palavra não é compreendida pela capacidade intelectual da mente, precisamos ir
do texto para nossa própria experiência com o Senhor. Assim veremos que em
nossa experiência muitas vezes é o “alqueire que encobre a nossa luz” quando a
luz é que deveria estar sobre o velador (cf.Mt 5:15). Que o Senhor tenha
misericórdia de nós!
Não pense que tudo estará bem o tempo todo,
às vezes em dias calmos sobrevém repentinamente uma tempestade. Não é assim a
experiência? Noemi de repente encontrou-se numa situação que estava além do seu
controle. A razão é que a azeitona precisava ser premida, o nardo esmagado e a
uva pisada. O óleo, a fragrância e o vinho surgem do processo natural do
esmagamento e da quebra. O ouro tirado das rochas precisa ir ao fogo antes de
adornar o rei no palácio.
Noemi
que outrora estava “cheia e ditosa” (cf.Rt 1:21) agora gemia em seu íntimo sem
esperança (cf.Rt 1:12). Noemi não compreendia nada do que lhe acontecia, não
tinha olhos para ver a “mão oculta e soberana que tratava” com ela. Olhava
apenas para sua dor e o seu sustento. O egocentrismo de Noemi é exposto através
da sua dor. À sombra de Noemi está Rute, a “amiga” ( esse é o significado de
seu nome) que posteriormente será o amparo de Noemi.
Cheia
de dor Noemi tenta consolar as suas noras. “Disse-lhes Noemi: Ide, voltai cada
uma à casa de sua mãe; e o Senhor use convosco de benevolência...” (cf.Rt 1:8a)
depois dirá: “...Grande amargura me tem dado o Todo-Poderoso... E o
Todo-Poderoso me tem afligido...”(cf.Rt 1:20-21). Para Noemi Deus era Aquele
que a “afligia e a amargurava”, e para suas noras Deus seria Aquele que usaria
de “benevolência”. Parece que Somente Noemi era a “vítima” da situação. Tudo
estaria bem se tão somente ela estivesse bem. Acaso, nós também não somos
assim?
Noemi segue olhando apenas para si mesma.
Quanto mais olha para si mesma, mais a sua amargura é exposta. Ela contempla
Deus somente através da sua dor, quando deveria contemplar a sua dor através de
Deus. Mas nós somos assim, não somos nenhuma exceção!
Em sua maneira de expressar Noemi deixa
claro o mesmo pensamento de Jó: “Deus se ri do desespero do inocente” (cf.Jó
9:23). Assim Deus é retratado por ela como um “sadista cósmico” que não se
importa com o sofrimento dos homens. Porém, louvado seja Deus pela cruz que
desfaz em pedaços essa caricatura sádica de Deus. Não devemos vê-lo numa “cadeira
de balanço” contemplando o sofrimento dos homens, e sim devemos contemplá-lo
numa “cruz”. O Deus que nos permite sofrer, Ele próprio uma vez sofreu em
Cristo, e continua a sofrer conosco em favor de seu corpo que é a igreja (cf.Ef
1:23). Posteriormente veremos que Noemi em seu cuidado natural consigo mesma envolverá
Rute numa trama que levará a cabo a economia de Deus. Graças ao coração casto
de Rute os “planos de Noemi” cooperarão para o propósito de Deus e redundará em
louvor para Israel. Aqui fica claro que “todas as coisas” cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus (cf.Rm8:28). Agora vamos contemplar Noemi através dos
olhos “cheios de amor” de Rute.
Que fique claro que a intenção aqui não
depreciar Noemi, e sim ver através da sua alma o que se passa com a nossa
própria alma. Noemi disse às suas noras: “O Senhor vos dê que sejais felizes,
cada uma em casa do seu marido. E beijou-as. Elas, porém, choraram em alta voz
e lhe disseram: não! Iremos contigo ao teu povo.” (cf.Rt 1:9-10) Noemi já era
velha e aqui ela olha para o futuro das suas jovens noras com um certo
saudosismo da sua própria juventude. Noemi as beija, porém em seu âmago ainda
está voltada para sua própria dor. O desespero de Noemi doía dentro da alma de
Rute como se um lago cristalino refletisse a sombra negra de uma nuvem escura
no céu. Orfa também chorou a desventura de sua sogra, mas em seu choro não
havia a mesma condescendência de Rute. Orfa até expressou bom ânimo em querer
ir ao povo de Noemi, porém um ânimo sem ousadia. Uma vontade fraca como de uma
pessoa desiludida pelos reveses da vida. Ela era o oposto de Rute que estava
disposta a nadar contra todo tipo de corrente contrária ao seu destino. É certo
que Orfa não poderia seguir sua sogra apenas possuindo um “espírito de
ousadia”, pois além dessa virtude aqui se requere um afeto humano
extraordinário. Orfa também amava sua sogra, porém não com a mesma intensidade
de Rute. A verdadeira fé de Rute é vista através de seu amor por Noemi. A
grande fé de Rute produziu também um grande “abandono de si mesma” pela “causa”
do próximo. Toda a amargura que pudesse ser expelida da boca de Noemi jamais
ofuscaria o amor que procede de um coração puro como o de Rute. Observe como
Noemi ofende suas noras ao insinuar que por “causa” delas o Senhor a afligira:
“Voltai, minhas filhas! Por que Iríeis comigo? Tenho eu ainda no ventre filhos,
para que vos sejam por maridos? Tornai, filhas minhas! Ide-vos embora, porque
sou velha demais para ter marido. Ainda quando eu dissesse: Tenho esperança ou
ainda que esta noite tivesse marido e houvesse filhos, esperá-lo-íeis até que
viessem a ser grandes? Abster-vos-íeis de tomardes marido? Não, filhas minhas!
Porque, por vossa causa, a mim me amarga o ter o Senhor descarregado contra mim
a sua mão.” (cf.Rt 1:11-13). Já no fim de sua queixa Noemi destila o fel que
irá expulsar Orfa de sua presença: “Por vossa causa, a mim me amarga o ter o
Senhor descarregado contra mim a sua mão”. No auge da sua dor Noemi dissera que
a causa da sua amargura era suas noras, e que “por causa delas” o Senhor havia
descarregado contra ela a sua mão. Foi difícil para Orfa ouvir semelhantes
palavras. Noemi expõe toda a amargura de sua alma. Presa e cega pela sua dor,
pela sua falta dos filhos, pelo seu estar privada do que tinha antes, Noemi
fere as próprias pessoas que se condoeram da sua dor e ainda à semelhança de Jó
molda todas as suas acusações contra Deus (cf.Rt 1:20-21). Para Noemi a sua
desventura era porque seus filhos tomaram esposas gentias e agora Deus estava
punindo ela. É através de Rute que Deus mostrará a Noemi que as suas suspeitas
são infundadas, pois é através de Rute, uma “gentia” que Ele suscitará um rei
em Israel.
Orfa ouvindo tais palavras beija a sua sogra
e se vai. Rute, porém, se apega a Noemi e fica com ela (cf.Rt 1:14). Se Orfa
usando do seu direito volta ao seu povo, Rute “abre mão do seu direito” para
estar do lado de sua sogra inconsolada. Rute não foi impassiva com relação ao
sofrimento de Noemi, antes ela se uniu aos sofrimentos de sua sogra, e muito
mais do que isso, ela fez do povo de Noemi o seu povo e do seu Deus o Deus
dela. A resposta de Rute à dor de sua sogra foi: “Onde quer que morreres,
morrerei eu e aí serei sepultada; faça-me o Senhor o que bem lhe aprouver, se
outra coisa que não seja a morte me separar de ti.” (Rt 1:17). Rute a “amiga”
da alma de Noemi certamente não se escandalizou com o falar amargo de uma viúva
desconsolada. Ela se condoeu de sua dor. A Orfa talvez fosse fácil ir e colorir
a sua existência longe do passado, porém a Rute era impossível se desvencilhar
do amor que ela tinha por sua sogra. Aqui não devemos de maneira nenhuma
“divinizar” o amor de Rute por Noemi, e sim “humanizá-lo”. O que chama a
atenção aqui é o amor humaníssimo de uma mulher que mesmo em sofrimento deixa
tudo para consolar uma desamparada. A humanidade das protagonistas é que
merecem o destaque dessa narrativa. É a humanidade de Rute e Boaz que tornará
possível a preparação para a posterior encarnação de Cristo. A humanidade
genuína dessa história é o ponto de convergência de toda a narrativa que
culminará em uma genealogia da qual descenderá o Cristo. Com certeza o fator
humano é o veículo que Deus usará para levar a cabo a sua economia, e é
exatamente isso que é extraordinário nesse pequeno exemplar divino.
A casca do homem exterior
É QUEBRADA:
O CAMINHO PARA Cristo
O livro de Rute em sua redação culminante e
final termina com uma genealogia, portanto com uma abertura para o futuro. A
última palavra no livro é “Davi” (cf.Rt 4:22). E isso nos faz compreender que o
propósito de Deus é dar vida a um futuro quando o presente está sob o signo do
fim, é aplanar um caminho para o nascimento de um rei, de um “Davi”, numa
história que, desde os primeiros compassos, vê o triunfo da morte (cf.Rt
1:1-5). E não só da morte física, no sentido da morte de Elimeleque, Malom e
Quiliom, o marido e os dois filhos de Noemi (cf.Rt 1:3-5), mas da morte da
própria esperança de Noemi. Porém, Noemi moída e quebrada pela sua dor chega à
conclusão de que em si mesma não há possibilidade de esperança. Diz abertamente
as suas noras: “sou velha de mais” (cf.Rt 1:12), e é aqui que a sua confissão
de “impossibilidade” dá a Deus a oportunidade de intervir. A casca do homem
exterior havia se partido e já começava liberar a fragrância de uma alma
rendida e contrita. Noemi não tinha possibilidade de assegurar nem mesmo o seu
próprio futuro. Mas não foi assim a Abraão e Sara? Deus os abençoou com
“Isaque” somente quando eles chegaram ao fim das suas “possibilidades”.
E é justamente a essa mulher sem possibilidade
de futuro que Rute se apega. Além do mais se apega a uma mulher amargurada e
aquebrantada. Rute está agora aos pés de uma mulher com um futuro totalmente
fechado: “Não me chameis Noemi! Chamai-me Mara, porque o Todo-Poderoso
encheu-me de amargura. Parti Ditosa ( com as mãos cheias ) e o Senhor me fez
voltar pobre ( de mãos vazias )...”(cf.Rt 1:21) O destino de Noemi havia
sofrido uma reviravolta, e é a essa mulher que Rute mostra toda a sua
solidariedade. Noemi declara que o Senhor a fez voltar de “mãos vazias” e se
esquece de Rute que abandonou tudo para ficar com ela. É o narrador da história
que lembra a presença de Rute (cf.Rt
1:22). No entanto é essa mulher que Rute ampara.
Rute está sempre à sombra de Noemi. Noemi é
aquela que trama todo o enredo da história, é aquela de cujos olhos o narrador
vê toda a perspectiva da narrativa. É sobre o filtro deformante da perspectiva
dolorosa de Noemi que o narrador nos leva a contemplar a vida. É em um percurso
doloroso que Rute segue com sua sogra. No entanto esse percurso a levará a
reconhecer o amor humaníssimo que abrirá um caminho para Cristo. Rute estava
realmente “resolvida a acompanhar” sua sogra, pois o seu coração estava
disposto a sofrer juntamente com ela (cf.Rt 1:18). O amor é assim “Tudo sofre,
tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (cf.1Co 13:7).
O rei Dario não dormiu a noite por causa de
Daniel, porém, Daniel passou aquela mesma noite na cova dos leões (cf.Dn 6). O
rei Dario estava disposto a não dormir a
noite em que Daniel estava na cova dos leões, porém, ele não estava disposto a
estar junto com Daniel na cova dos leões. Orfa também chorou ao ver o
sofrimento de Noemi, porém não foi capaz de unir-se a ela em tal situação. Ao
contrário do espírito de Rute que não apenas se condoeu do sofrimento de Noemi,
mas estava pronta a levar o fardo da mesma dor que Noemi. A sua condescendência
em relação à Noemi foi plena e total. As palavras de Rute “O teu povo é o meu
povo, O teu Deus é o meu Deus” (cf.Rt 1:16) selou para sempre a sua permanência
na genealogia daqueles que geraram Cristo. E ainda disse mais: “Faça-me o
Senhor o que bem lhe aprouver, se outra coisa não seja a morte me separar de
ti” (cf.Rt 1:17). Rute colocou a sua vida nas mãos do Deus de Noemi, a sua
sorte daqui em diante estará sob o guiar do Deus de Noemi. A radicalidade de
Rute em relação à sua entrega ao Deus de Noemi será o que fará com que Rute saia
do anonimato, do meio de um povo amaldiçoado e entre pela fé na genealogia dos
vencedores. Esse é o caminho para Cristo.
Belém: casa e pão
Belém é um lugar de ressonância nas
escrituras. Belém significa “casa do pão”. Como já vimos, no prólogo deste
livro, Noemi está cercada de sua família, porém está privada de pão. Depois na
terra de Moabe a vemos farta de pão, porém está privada de sua família. Os
Amonitas e os Moabitas foram proibidos de entrar na assembléia do Senhor até a
décima geração porque não socorreram o povo de Israel com “pão e água” quando
eles saíram do Egito, e porque alugaram Balaão para amaldiçoar o povo de Israel
(cf. Dt 23:3-4).
Noemi torna-se estrangeira na terra de
Moabe, e Rute ao regressar com Noemi de Moabe também se tornará estrangeira em
Belém. Dois olhares aqui se encontram. O olhar de Noemi é o olhar através da
dor. O olhar de Rute é o olhar através de Deus. No olhar casto de Rute se forma
um espelhamento entre a terra e o céu, e no olhar de dor de Noemi contemplamos
a amargura. Noemi está enferma em sua alma. E é através de Rute que Deus a
curará.
Os olhos de ambas olham na mesma direção,
porém Noemi olha a sua vida apenas através
da sua desventura, porém o olhar de Rute é através do amor e da fé.
Através da sua fé é Rute quem vai dar “pão e casa” a Noemi em Belém a “casa do
pão”. Rute é quem alimentará a Noemi por um dia (cf.Rt 2:18) e depois durante a
colheita toda (cf.Rt 2:21) e por fim por “toda a sua vida” quando se casa com
Boaz (cf.Rt 4:13). Assim Deus através de Rute garante todo o sustento de Noemi,
e não apenas o sustento (pão), mas sim também uma família (casa).
A “casualidade”:
A assinatura de um Deus
Invisível
Vimos que em Belém, a “casa do pão”, Rute
uma Moabita, dá pão e casa a Noemi. Isso só pode ser uma obra-prima de um Deus
que se oculta. O narrador no primeiro capítulo chama todas as atenções para
“Noemi” e ao seu “desespero” e quase se esquece de Rute. Mas aleluia! Com certeza
o narrador é o Espírito de Deus, e no último instante diz: “Assim, voltou Noemi
da terra de Moabe, com Rute, sua nora, a Moabita...”(cf.Rt 1:22). Noemi não
ligou nenhuma importância à presença de Rute, mesmo tendo ela deixado tudo para
segui-la. No momento em que Noemi lamentava o seu infortúnio o Deus que se
oculta agia secretamente por meio da fé de uma simples Moabita. A ênfase do
Espírito é “a Moabita”, pois é através de uma gentia que Deus agirá. Se Deus
usou até a mula de Balaão, porque não usaria um coração de uma gentia que
deixou tudo por Ele e por um povo que ela pouco conhecia? A razão disso é que
Deus é Quem forma os corações (cf. Sl 33:15), é Ele mesmo que “formou” o coração
de Rute para o seu próprio propósito porque: “Dele, por Ele e para Ele são
todas as coisas” (cf.Rm 11:36) Aleluia!!
Palavra estranha à nossa compreensão
espiritual: “casualidade”. Aqui é revelado que até os acontecimentos casuais
estão sob a soberania do Deus que se oculta (cf.Rt 2:3). Parece que a
“casualidade” é o “pseudônimo” de Deus quando Ele não quer por a sua própria
assinatura. Aleluia! “Todas as coisas” (cf.Rm 8:28) só trabalham a favor de um
único Deus e Rei Soberano sobre o universo: O Deus Triúno. Tudo trabalha a Seu
favor, seja o bem ou o mal, a luz ou as trevas, a terra ou o céu. Nada impedirá
que Ele cumpra o Seu desígnio. Sabendo que tudo está à mercê de um Deus
infalível e Soberano como escaparemos de Suas mãos? Há um adágio popular que diz:
“Deus escreve certo por linhas tortas”, creio que esta sentença traduz a
essência daquilo que a palavra de Deus está afirmando aqui.
Aqui nesse ponto precisamos considerar o
“livre arbítrio” do homem. Se o homem foi criado “com” e “para” um propósito
específico então é necessário questionar até aonde vai a sua liberdade. Deus
deu ao homem que criou alguma liberdade? O homem é realmente livre? A liberdade
do homem pode interferir nos planos divinos? O homem que já nasce sob a
escravidão do pecado pode dizer-se que é livre? Se dissermos que o homem não
tem nenhum livre arbítrio colocamos em “xeque” a salvação para o reino que
requer a “obediência voluntária” do homem pagando um preço. Se dissermos que o
homem é totalmente livre em sua vontade e que ele é capaz de “escolher por si
mesmo” a salvação de Deus, colocamos em “xeque” a salvação pela graça. Que
faremos? Martinho Lutero e Erasmo já se digladiaram muito sobre essa arena.
Lutero defendia a salvação pela graça e dizia que a vontade do homem não era
livre para “escolher por si mesmo” ser salvo. Erasmo, por sua vez, defendia que
o homem através da sua vontade podia voltar-se para Deus e ser aceito por Ele.
Aleluia! Porque a revelação de Deus é
progressiva. A luz que tenho recebido do Senhor diz que nem Lutero estava
“totalmente certo” e que nem Erasmo estava “totalmente errado”. No centro da
roda da economia de Deus está a cruz de Cristo. O centro é o ponto de
equilíbrio desse grande mover de Deus. Na obra da cruz vemos tanto a salvação
eterna “pela graça” (essa salvação é dom de Deus cf.Ef 2:8), como também vemos
a salvação para o reino que são os “atos de justiça” dos santos depois que
receberam a salvação pela graça. Isso significa que a salvação para se obter a
vida eterna de Deus não é uma questão de merecimento e nem de obras (isso
significa que para Deus dar a Sua vida eterna para o homem, Ele apenas
considera a sua fé e não as suas obras). Ao passo que a salvação para o
galardão do reino requer que o homem pague um preço. O reino requer justiça do
homem. A salvação pela graça não requer a justiça do homem para que este receba
a salvação. Não é de se admirar que até hoje entre os cristãos essa questão é
mal compreendida. Muitos ainda pensam que a salvação para a vida eterna é ganha
através das obras de justiça do homem; a vida eterna para eles será o “prêmio”
para aqueles que forem “obedientes”, e o lago de fogo o “castigo” para aqueles
que forem “desobedientes”. Essa é uma visão geral no cristianismo. De acordo
com esse conceito Deus premia os justos com a vida eterna e puni os injustos
com o lago de fogo. Porém, a bíblia revela algo totalmente diferente. Deus não
leva em consideração a justiça do homem para dar-lhe a vida eterna porque Deus
o ama. Depois de salvo e depois de ter dado ao homem gratuitamente a vida
eterna, Deus tem base para cobrar do homem uma posição justa diante Dele. A
base dessa cobrança é o seu amor em ter dado a Sua própria vida para o homem. A
dívida do pecado do homem foi saudada pelo sangue vertido na cruz. Porém o
homem sempre será um devedor aos olhos de Deus. É claro que Deus também leva o
homem a sério, por isso em Sua salvação Ele também dá uma “recompensa” baseada
no “mérito” desse homem que Ele salvou. Mas isso não significa que Deus se
torna “devedor” para com o homem, pois a vitória do homem é levada a cabo pelo
poder de ressurreição da vida eterna que Ele outorgou ao homem. A vida eterna
não é uma recompensa em si mesma, e sim o poder dentro do homem que o leva a
vencer todo o mal. O homem não foi salvo para ganhar a vida de Deus, ele ganhou
a vida de Deus para ser salvo! A vida de Deus não é a meta da salvação e sim o
meio pelo qual o homem é salvo. É preciso dizer novamente que Deus jamais
deverá algo para o homem. Quando Deus usou a rede de Pedro Ele devolveu-a quase
submergida de tanto peixe. Quando foi convidado a uma festa de casamento pagou
os seus humildes gastos com a transformação de seis talhas de água em vinho!
Aqui fica claro que a salvação pela graça
provê ao homem a “vida mais elevada do universo” para que este entre na esfera
do reino de Deus. Isso significa que do ponto de vista da economia eterna de
Deus a vontade do homem nada realiza no que diz respeito a receber a vida de
Deus (pois a vontade do homem não o torna “melhor” e nem “capaz” de voltar-se
por si próprio à Deus; é a graça no poder do evangelho (cf.Rm 1:16) que faz com
que o homem se volte para Deus) . Não
obstante, o homem uma vez de posse dessa vida que ele recebeu “gratuitamente”
ele pode ou não querer viver por essa vida nessa era. Aqueles que vivem por
essa vida e “negam a si mesmos” em prol do reino receberão galardão. Logo o
reino milenar na era vindoura será uma seção “parentética” no qual Deus
galardoará os que viveram pela vida divina recebida gratuitamente em sua
salvação inicial, e disciplinará aqueles que negligenciaram essa vida.
Uma vez salvos eternamente pela graça de Deus
será que podemos viver desleixadamente? Não. Pois o mesmo Deus da graça também
é o Deus da justiça. A era da manifestação do reino será uma era em que Deus
agirá com justiça, e aqueles que não viveram uma vida justa por meio da vida de
Deus serão severamente disciplinados. Aqueles que pensam que a salvação pela
graça abre uma comporta para uma vida de licenciosidade ao pecado estão
equivocados em sua compreensão da manifestação da era do reino. Hoje vivemos na
era da graça e aquela será uma era de justiça. A era do reino mostrará o quanto
Deus leva o homem e a sua salvação a sério. Portanto não se enganem o Deus da
graça também é o Deus da justiça.
Diante de tudo isso precisamos responder que
o homem é “parcialmente livre e parcialmente não”. Deus “escolheu” e
“predestinou” o homem na eternidade passada antes mesmo que o homem pudesse
exercer a sua vontade (cf.Ef 1:4-5). Essa escolha foi para a “salvação” e a
predestinação foi para a “conformação” do homem à imagem Cristo (cf.Rm 8:29).
Isso significa que em relação a “ganhar a vida eterna de Deus” a vontade do
homem é ineficaz e incapaz de levar o homem por si próprio ao arrependimento,
pois é a bondade de Deus quem produz no homem o verdadeiro arrependimento
(cf.Rm 2:4), pois caso contrário, anularia a graça. O homem pode “decidir” se
ele viverá ou não pela vida de Deus depois da salvação, e o mesmo também pode
decidir (porém antes que ele possa decidir ele precisa receber graça e luz de
Deus porque por si mesmo o homem é incapaz de ver-se como um pecador) se ele
aceita ou não receber a vida de Deus. Pois quanto a dar essa vida eterna foi
Deus quem decidiu em Si Mesmo dar a Sua vida aos homens; isso está sob a
vontade e soberania de Deus. O próprio Senhor disse que ninguém viria até Ele
se pelo “Pai não lhe for concedido” (Jo 6:65); aqui fica claro que a obra do
Filho é salvar e dar vida eterna àqueles que o Pai escolheu e predestinou (Ef
1:4-5). O homem também pode “cooperar” com Deus no que diz respeito à
conformação de sua alma à imagem de Cristo. É claro que a escolha de Deus não é
baseada em nenhuma premeditação de que Deus escolheria somente aqueles que o
aceitassem. Esse ensinamento é herético, pois a escolha de Deus foi muito antes
que o homem pudesse ter praticado o bem ou o mal. Somente a sabedoria de Deus
pode conciliar predestinação com livre arbítrio e está longe da minha ínfima
sabedoria humana compreender esse paradoxo.
Ao considerar o livre arbítrio do homem do
ponto de vista da economia de Deus é impossível sairmos da sua conclusão
paradoxal. Isso se deve ao fato de que o centro da economia de Deus é o próprio
Deus que foi “manifestado em carne” (1Tm 3:16). Esse é o mistério da
encarnação. Toda a economia de Deus tem como objetivo a incorporação, união e
mescla do divino com o humano, daí nasce o paradoxo que a nossa mente limitada
não consegue compreender. Por exemplo: Efésios 1:4-5 diz claramente que Deus
nos “predestinou” para a filiação. Porém, antes de nos predestinar Ele
primeiramente nos “escolheu” (v.4). A palavra “escolher” pressupõe uma
“seleção”, isso é óbvio. Portanto a escolha de uns pressupõe a “rejeição” de
outros, caso contrário não haveria uma escolha. Para que haja uma “escolha” é
necessário que uma parte seja excluída. Isso significa que admitir uma
“escolha” é “rejeitar” uma parte que não foi escolhida. Conclusão: para que Deus
tivesse “escolhido” quem seriam seus filhos, Ele naturalmente teria de ter
excluído aqueles que não seriam seus filhos. Porém, se Deus “escolheu” em parte
quem seriam seus filhos, como Ele poderia desejar que “todos” os homens fossem
salvos? (1Tm 2:4). Isso não é paradoxal? Como conciliamos Ef 1:4 com 1Tm 2:4 ?
Isso só é possível se interpretarmos a “escolha” de Deus em Ef 1:4 como sendo
uma “escolha genérica em Cristo, em que Deus escolhe em Si mesmo salvar “todos”
os homens. Creio sinceramente que Deus amou “todos” os homens (Jo 3:16) em
Cristo sem a exclusão de nenhum. Isso significa que ao encarnar-se o próprio
Deus em Cristo tornou-se o representante de “todos” os homens sem nenhuma
exceção. Isso é graça. Essa graça é o próprio Deus em Cristo sendo dada ao
homem pelo Espírito gratuitamente. “Todos” os homens incluindo os que estão
vivos e os que vão nascer possuem um “saldo” ilimitado de graça em Cristo. Isso
independe do homem querer ou não, o saldo está disponível independente da
vontade do homem em usá-lo ou não. Isso é graça. Da mesma forma que o homem já
nasce em pecado independentemente dele querer ou não, assim também,
independente da sua escolha ele possui um saldo disponível de graça em Jesus.
Isso significa que independentemente se eu quero ser salvo ou não Deus
incluiu-me em Sua salvação em Cristo. Mas isso não significa que essa salvação
gratuita não possa ser rejeitada. Pois do lado de Deus a graça foi concedida
incondicionalmente, porém, usando do meu livre arbítrio eu posso rejeitá-la.
Mas a salvação não é pela graça? Se eu escolho ser salvo pela minha própria
vontade onde está então a graça? É aqui que está o paradoxo. Porém, devemos
perceber que a nossa escolha jamais antecederá a graça disponível. Isso
significa que se temos a capacidade de escolhermos a salvação é porque ela está
disponível ( o evangelho de Deus é o poder de Deus entrando no homem antes que
o homem possa crer no evangelho). Se você está afundando no mar e alguém lhe
joga uma bóia de um barco, você não tem uma “segunda opção de sobrevivência” a
não ser agarrar-se à bóia (você até pode saber nadar, porém lá no meio do mar
não nadará por muito tempo). Olhando por esta perspectiva é fácil percebermos
que não fomos nós que “escolhemos” a salvação de Deus. É Deus quem disponibilizou
essa “bóia” e nós fomos “compelidos” a agarrá-la senão morreríamos. Muita gente
está perecendo porque não quer aceitar a Cristo, porém, não podemos afirmar que
elas estão perecendo porque Deus não as incluiu em Sua salvação em Cristo. Isso
é contrário ao desejo de Deus que quer que “todos” os homens sejam salvos e
cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1Tm 2:4). Elas perecem porque
“rejeitam” a “escolha” de Deus para elas e não porque Deus não as escolheu em
Cristo. Tudo o que Deus quer fazer em Sua economia está no princípio da
“encarnação”. Isso significa que a “encarnação” de Cristo encerra todo o poder
e mistério do evangelho no qual cremos; e também revela o desejo máximo do
coração de Deus que é “mesclar-se com o homem”. O homem não possui livre
arbítrio ( quero dizer com “livre arbítrio” a capacidade do homem fazer algo
aquém da vontade de Deus) verdadeiro fora da única vida eterna que foi colocada
em Jesus Cristo (1Jo 5:12). Não há escolha de vida fora de Jesus. Não há vida
fora de Cristo. Fora de Cristo só há morte eterna. Sendo assim podemos dizer
que a “escolha” de Deus é a Sua decisão em Si Mesmo em dar a Sua vida eterna a
“todos” os homens que pela fé se unam a Cristo. Em Cristo Deus “escolheu” todos
os homens, porém, nem todos os homens escolhem se unir a Cristo. Deus preparou
uma salvação gratuita para o homem que Ele criou, porém, muitos decidem não
aceitar essa salvação. Quero dizer com tudo isso que a “escolha” de Deus em Ef
1:4 deve incluir “todos” os homens sem exceção. Sendo assim é necessário dizer
que o homem possui livre arbítrio (pois ele pode rejeitar a salvação de Deus em
Cristo). No entanto é também necessário dizer que esse livre arbítrio é
delimitado pela soberania de Deus. No universo somente Deus possui livre
arbítrio total, essa é uma prerrogativa exclusiva de Deus. O homem sendo uma
criatura de Deus só possui uma “autonomia parcial”. Dar ao homem livre arbítrio
total é colocá-lo ao nível de Deus. Isso é inadmissível. Temos a revelação de
que Deus em sua economia deseja ser um com o homem criado, mas isso exclui a
possibilidade do homem tornar-se Deus na “Deidade”. O homem só pode ser participante
da vida e natureza divina e jamais será participante da “Deidade” de Deus e
muito menos das prerrogativas que são exclusivamente do criador. Não podemos
jamais afirmar que o homem será um “quarto elemento na Deidade” e muito menos
pregar a deificação da humanidade no sentido de que o homem participará das
prerrogativas que são somente de Deus. O homem será apenas um material na
economia divina, apenas um vaso criado com o objetivo de expressar a vida e a
natureza de seu criador. Será sempre criatura e isso jamais mudará.
Ao criar o homem Deus criou para si mesmo um
veículo pelo qual Ele seria manifestado e expressado. Podemos compreender essa
verdade usando uma alegoria (embora ainda seja muito pobre) : se colocarmos um
saquinho de chá numa xícara com água quente, logo a água absorverá a “vida e a
natureza” do chá, ganhando assim a essência e a sua característica, porém a
água jamais se tornará no saquinho de chá. Assim é o homem, ele é apenas capaz
de participar da “vida e natureza” divinas, porém, ele jamais será como Deus em
Sua Deidade. Perdoem-me a digressão, é que quando interpretamos um livro como
esse, que em sua essência literária vem à tona a soberania de Deus versus o
livre arbítrio do homem, então se faz necessária uma investigação mais
profunda. Precisamos questionar a responsabilidade do homem sob o filtro da
visão da economia divina abrangida no cerne das escrituras sagradas. De acordo
com essa visão o homem possui apenas uma “liberdade tutelada” e jamais a sua
vontade fará retroceder nem que seja um palmo daquilo que Deus determinou em Si
mesmo. Ele apenas pode decidir algo dentro dos limites da jurisdição humana
outorgada por Deus, e jamais tem o poder de decidir as coisas referentes às
determinações divinas, pois o homem só pode “cooperar ou não cooperar” com
essas determinações divinas, e jamais “decidir” (decidir aqui está no sentido
de “mudar” o que Deus determinou, e não no sentido de “executar” que no caso
cumpre a vontade de Deus) algo em relação a elas. Conclusão: o homem possui
liberdade de escolha apenas nas coisas genuinamente humanas, e pode também
“cooperar” com Deus quando se trata das coisas divinas, porém não pode
determiná-las por si mesmo. Jamais haverá um “casamento” entre essas duas
vontades, no que diz respeito ao homem interferir nas prerrogativas que são
somente (e tão somente) de Deus. Deus em sua economia divina está mesclando a
Sua vida e natureza divinas ao homem criado, porém o homem será sempre homem, e
Deus será sempre Deus ( pois Deus em Sua Deidade estará sempre separado do
homem). É preciso estabelecer um limite entre o que é da responsabilidade do
homem e o que é da responsabilidade de Deus; Deus como Criador “exige
obediência voluntária” do homem e ao mesmo tempo supri Consigo Mesmo essa
aspiração que Ele mesmo criou no homem, e o homem baseado na vida e natureza
divina que recebeu de Seu próprio Criador (por meio de Jesus Cristo) lhe
renderá obediência por toda a eternidade. O amor de Deus para conosco consiste
em que guardemos os seus mandamentos (1Jo 5:3); além do mais até mesmo Cristo em
Sua humanidade aprendeu a ser “obediente” (Hb 5:8) e obediente até a morte e
morte de cruz (Fl 2:8). Aqui fica claro que Deus exige e sempre exigirá “obediência”
do homem que ele criou à sua imagem e semelhança. De acordo com Gênesis 1:26
Deus criou o homem para “dominar” sobre todas as coisas criadas, porém esse
“domínio” jamais estará acima da “obediência” ao Espírito de Deus que está dentro
do homem. Isso significa que “obediência” é o requisito mais importante para
que o homem mantenha comunhão com Deus, e também é um requisito exigido por
Deus que faz com que o homem mantenha-se na sua posição de criatura. Guardar os
mandamentos de Deus não é uma questão de “certo ou errado” e sim de “obediência
inteligente” ao Espírito santo que habita em nós. O resultado dessa obediência
será que o homem dominará sobre todas as coisas. Vamos voltar agora ao capítulo
2 de Rute.
Diante de tudo isso a expressão “casualidade”
do versículo 3 ganha aqui um sentido mais divino do que aquilo que supúnhamos.
O peso dessa expressão é surpreendente, pois é a soberania de Deus que está em
jogo. “Deus não joga dados”, nada em sua economia é por acaso. Paradoxalmente a
vontade humana “casa-se” com a vontade divina, porém o que é revelado nessa
porção da palavra é mais profundo ainda. Não é o homem que determina se Ele irá
ao encontro das necessidades divinas, é o oposto, é Deus quem arranja e dispõe
as coisas conforme as suas necessidades e vontades. Olhando pelo filtro dos
olhos humanos temos a impressão de que certos acontecimentos são pura
“casualidade” (como é o caso de Rt 2:3 em que “casualmente” ela encontrou-se no
campo de Boaz), porém se olharmos abaixo da superfície e contemplarmos as
coisas através do Espírito de Deus veremos que os planos divinos são perfeitos
e que Deus continua sendo soberano mesmo sobre os nossos erros. Todo o livro de
Rute é escrito a partir da perspectiva humana e olhando dessa maneira muitas
vezes ficamos confusos e não o entendemos, porém quando nos damos conta da
inspiração divina do texto e compreendemos a intenção do Espírito nos
propósitos de Deus, então um novo sentido espiritual abre os nossos olhos. Aqui
fica claro que o texto é genuinamente humano, porém o motivo e a inspiração que
ele encerra em sua trama subliminar é totalmente divina. Uma pessoa que não tem
o Espírito de Deus não tem a base para uma interpretação correta das
escrituras. Não importa o quanto ela saiba do “grego” ou “hebraico”, somente o
Espírito de Deus pode sondar as coisas de Deus (1Co 2:10). Baseados nessa visão
vamos sondar as inescrutáveis intenções do Espírito ao permitir que esse
exemplar divino fosse canonizado. Sendo assim é claro que este livro deve
encerrar alguma importância “maior” que talvez tenha escapado a nossa percepção
humana. Que o Espírito de Deus possa nos conduzir! Amém.
Aqui vale a pena ressaltar que sem o Espírito
de Deus a nos conduzir estaremos à deriva em meio a um mar tempestuoso e bravio.
Invoquemos a Cristo para que entre em nosso barco e restabeleça a bonança. O
nosso entendimento sem o Espírito de Deus é semelhante às ondas agitadas do
oceano, é necessário que Cristo ande sobre essas ondas para que as
interpretações “fantasmagóricas” (Mt 14:26) da nossa mente inquieta possa
seguir o fluxo calmo e refrescante do Espírito de Deus. Lancemos mão do leme e
permitamos que somente o Espírito santo iluminando a nossa mente ativa pela luz
da palavra nos guie. Eia! Vamos!
Rute uma rebuscadora de espigas:
A providência divina
Aleluia! Temos um Deus invisível que
endossa com a Sua assinatura os contingentes da vida daqueles que são chamados
segundo o Seu propósito. Toda a providência divina está centrada num único
propósito: a edificação de si mesmo em um “homem coletivo que expresse a imagem
divina de Seu Filho Jesus Cristo”. O primeiro passo dessa economia é a Sua
encarnação a fim de edificar-se a si mesmo como um homem genuíno, e
apresentar-se a Si Mesmo como um homem perfeito com o objetivo de levar a cabo
a redenção em favor dos homens e ao mesmo tempo fazer de Si mesmo o modelo e
protótipo de uma humanidade ressurreta. Já deixei claro que o homem jamais será
participante da “Deidade” de Deus, porém precisamos compreender que o homem foi
criado para um propósito específico e definido: “ser veículo da imagem do filho
de Deus por toda a eternidade, a fim de expressá-lo em toda a Sua plenitude e
glória, manifestando todas as Suas virtudes e atributos da Sua santidade, sem
com isso, é claro, participar da Sua Deidade e prerrogativas como Deus, como
por exemplo: o Seu direito único de livre arbítrio total e imparcial.”
Limitamos aqui a apenas dizer: “Ele é Deus”!
O livro de Rute é um livro singular que narra
uma “delicada história de amor” sem nenhum precedente jamais visto na história
dos homens. É um livro todo bondade e único. Os acontecimentos mais importantes
desse livro decorrem durante as semanas da colheita da cevada e do trigo, entre
a páscoa e o pentecostes: a festa da colheita das primícias (Lv 23:9-14). Isso
é muito significativo. Os filhos de Israel traziam os molhos das primícias ao
sacerdote, e ele o movia perante o Senhor no “dia imediato ao sábado” (Lv
23:12). O sábado é uma figura que representa Cristo como o nosso verdadeiro
descanso; e essa figura indica que somente quando descansamos em Cristo é que
podemos ofertar a Deus. O descanso vem antes do oferecer. Os filhos de Israel
primeiro colhiam a cevada que amadurecia “primeiro” e depois o trigo. A cevada
é uma figura da vida de ressurreição. Deus só aceita uma oferta quando esta
está baseada no descanso da vida de ressurreição de Seu filho Jesus Cristo.
Essa é na verdade a ordenação de Deus para o homem. Toda a providência de Deus
para o homem tem como objetivo levá-lo a descansar em Cristo mediante a Sua
vida de ressurreição.
Tudo o que Deus fez a Rute foi baseado no
princípio da ressurreição. Quando lemos a história de Rute temos a impressão de
que é ela quem trabalha todo o tempo, porém quando percebemos o ambiente que
Deus preparou para ela, entendemos que todo o trabalho de Rute seria um
fracasso se não levarmos em consideração o propósito divino no arranjo soberano
de Deus para ela. Paulo também havia trabalhado “mais” do que todos, mas não
sem a graça de Deus que o movia (1Co 15:10). Assim também Rute trabalhou
bastante, mas não sem o descanso de Deus em seu coração. Lembre-se o descanso
vem sempre antes da oferta. Deus se move “no homem” e “com o homem”, isso
significa que descansar não é parar as atividades; descansar na bíblia
significa agir de acordo com a palavra de Deus. É trabalhar muito, porém, na
dependência de Deus. O Senhor não quer que sejamos como o lírio, Ele apenas nos
convida a “considerar” o lírio (Mt 6:28). Ser como o lírio é nada fazer.
Considerar o lírio é perceber o quanto dependo de Deus. O Senhor não pede para
que sejamos como as aves, mas disse: “observai” as aves do céu (Mt 6:26).
Observar é perceber que Deus é todo suficiente em cuidar de nós sem que com
isso diminuamos nosso trabalhar. Com certeza as aves do céu se alimentavam
daquilo que os filhos de Israel plantavam, porém elas não teriam alimento se
eles não plantassem. Além do mais não teriam sucesso no plantio se Deus não
lhes dessem o sol, a chuva e o vento no tempo propício. O princípio espiritual
aqui é que o trabalhar deve ser no fluxo da graça. Agora podemos entender
porque toda a parte ativa na história de Rute se passa durante um período de
colheita, pois a colheita envolve o trabalho do homem na dependência de Deus,
pois podemos até plantar, mas somente Deus pode dar o crescimento (1Co 3:6).
Rute pôde colher fartamente porque Deus em
Sua providência havia abençoado o plantio no campo de Boaz. E não apenas isso,
Deus também dispôs no coração de Boaz a graça suficiente para que este
aceitasse Rute (uma Moabita, filha de um povo amaldiçoado por Deus) em seu
campo; e isso exigiu um coração alargado e misericordioso o qual somente Deus
pode dar aos homens. Deus havia proibido a união entre os filhos de Israel com
os Moabitas, porém aqui vemos que Boaz ao aceitar Rute não agiu em conformidade
com nenhum legalismo, antes a sua ação expressou a misericórdia de um Deus
amoroso e misericordioso. Sendo assim o livro de Rute não é apenas um marco que
introduz a “era dos reis”, e sim também um livro que canaliza através de
“cordas humanas” (Os 11:4) o amor de Deus a todos os homens.
O livro de Rute revela que Deus providencia
tudo para o homem que Ele criou e que tudo está em conformidade com a Sua
economia eterna. Nenhuma necessidade genuinamente humana escapa despercebida
dos olhos de Deus. Abraão aspirava por filhos que pudesse criar e terras que
pudesse cultivar; através dessa aspiração genuína e humana Deus revelou a Sua
aspiração divina aos homens. Deus também desejava que o homem “governasse” a
terra e a enchesse de filhos (Gn 1:26-28). Em Abraão podemos contemplar o
genuíno desejo de Deus para o homem: o domínio da terra através de um homem
corporativo que tenha a imagem e semelhança de Seu Filho Jesus Cristo. Esse é o
mistério oculto na história de Abraão. O cuidado de Deus para com o homem vai
desde o preparo de uma vestimenta para cobrir a sua nudez (Gn 3:21) até o seu
sepultamento quando sepultou Moisés e guardou seu corpo (Dt 34). Quando Abraão
ainda sofria pelo corte da circuncisão Deus apareceu a ele na planície de
Mambré; assim nos ensinou a cuidar dos doentes. Consolou Jacó no seu regresso
de Padã-Arã, no lugar onde morrera sua mãe; e assim nos ensinou a cuidar dos
que estão de luto. Também fez descer pão do céu para os filhos de Israel, e
assim nos ensinou a cuidar dos famintos. Também por mais de vezes saciou a sede
do seu povo, nos ensinando assim que devemos dar de beber aos que tem sede.
Aleluia! Isso é apenas um pequeno vislumbre da riquíssima providência de Deus!
O livro de Rute encerra todo esse cuidado de
Deus para com o homem. Além do mais ele também mostra que devemos à semelhança
de Rute respigar no campo das escrituras. É a glória das glórias podermos nesse
instante estar respigando no próprio livro que narra a história de uma
respigadora. Isso é mistério dos mistérios! A providência de Deus em nos
alimentar com essas espigas frescas e tenras tem o objetivo de nos constituir
com a Sua vida santa e cheia de riquezas e deleites. Vamos seguir adiante
porque o substancial dessa história ainda está por vir!
Rute acha graça aos olhos de Boaz
Deus é o Ceifeiro
celestial e sendo assim Ele ceifa onde não semeou e junta onde não espalhou (Mt
24: 24). Mas como pode ser isso? Não sei, “Ele é Deus”, só posso afirmar isso. Certa
vez, os discípulos vindo da cidade rogaram para que o Senhor comesse, e Ele
disse: “A minha comida consiste em fazer a vontade Daquele que me enviou e
realizar a Sua obra” (Jo 4:34). O Senhor havia salvado e dado vida eterna à
Samaritana, essa era Sua verdadeira comida, pois Ele havia se alimentado da
presença dessa mulher. Os discípulos deviam ter trazido pessoas ao Senhor e não
comida. O Senhor estava faminto para salvar os homens, essa era Sua obra. Ele
só se ocupava com essa obra.
É sob as asas desse “Ceifeiro” maravilhoso
que Rute estava abrigada (Rt 2:12). A obra de Deus consistia em salvá-la, e
para isso Ele preparou um homem segundo o seu coração para cuidar dela. Esse
não é um Deus diferente daquele que salvou a Samaritana no poço de Jacó. O Deus
que Criou o universo em Gênises é poderoso demais para nosso entendimento e
muito inacessível, porém o Deus que vemos a beira do poço de Jacó é cheio de
graça e misericordioso. Ambos é o mesmo Deus, porém não conheceríamos a Sua
graça se não o víssemos dar de beber a Sua vida eterna a uma mulher tão imoral!
Quanta graça! Aleluia!
A graça que Rute encontra em Boaz é a mesma
graça que a igreja encontra em Cristo. Boaz aconselha Rute a não colher em
outro campo e a não passar do seu campo para outro (Rt 2:8), pois toda a
provisão necessária para ela seria provido somente por ele. Isso significa que
Deus limita o homem dentro de um único campo, de um único território no qual
Ele mesmo é o alimento do homem. O homem deve andar em Cristo como sendo seu
único território, sendo radicado Nele, edificado, confirmado na fé, instruído e
deve também crescer em ações de graça apenas nesse território (Cl 2:6-7). Aqui
Rute está decidida a obedecer este princípio e sua atitude será recompensada
por Boaz.
Boaz prossegue: “porém aqui ficarás com as
minhas servas. Estarás atenta ao campo que segarem e irás após elas” (Rt
2:8-9). Ir após as servas é seguir “as pegadas do rebanho” (Ct 1:8). Vagar
junto com os rebanhos alheios não cumpre a vontade de Deus (Ct 2:7) , por isso
devemos estar junto com o único rebanho chamado pelo único Cristo, nosso único
Pastor (Jo 10:16). Isso fará com que achemos graça diante de Deus e cumpriremos
Sua vontade. “Estar atento ao campo” é perceber que Deus tem uma única obra,
por meio de um único Espírito para a edificação de um único corpo. Só há um
campo no qual possamos trabalhar porque há somente uma obra de edificação.
Assim também vemos que toda a história da genealogia humana começando em Adão
tem o objetivo de edificar um único homem entre os homens que é Cristo: O
Deus-Homem encarnado.
“Quando tiveres sede, vai às vasilhas e bebe
do que os servos tiraram” (Rt 2:9). Aqui temos outro princípio espiritual. Rute
é uma figura da igreja e Boaz é um tipo de Cristo; quando nos reunimos em nome
do Senhor todos tem uma medida de “água” que tiraram de suas experiências, e
essa água que é Cristo torna-se vida para a igreja. Este princípio também está
no único “campo” que Deus determinou para o homem andar. Ao ouvir tamanhas
palavras de graça da boca de Boaz Rute inclina-se com o rosto em terra, e lhe
diz: “Como é que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu estrangeira? (Rt
2:10). Rute reconhece a sua miséria diante da tamanha graça que lhe é oferecida
gratuitamente, isso fez com que ela reverenciasse a generosidade de Boaz. Com
certeza Cristo é o nosso verdadeiro Boaz, e Ele é digno de toda nossa adoração
e reverência por permitir que bebamos Dele por meio de toda Sua riqueza que Ele
depositou “nos irmãos”. Que maravilha é beber de Cristo nos irmãos! As vasilhas
preparadas por Deus para saciar a nossa sede, Aleluia! É um grande mistério que
Deus tenha depositado em cada um de nós uma vida tão elevada que se tornou rios
de água viva a fluir para a vida eterna! (Jo 4:14, 7:37-38). A humildade de
Rute em reconhecer a sua condição de miséria em face da graça recebida através
de Boaz fez com que ela tivesse descanso em seu coração.
“Respondeu Boaz e lhe disse: bem me contaram
tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da morte de seu marido, e como deixaste
a teu pai, e a tua mãe, e a terra onde nasceste e vieste para um povo que
dantes não conhecias” (Rt 2:11). Rute aqui repete a mesma aventura de Abraão
quando deixou a sua parentela e saiu do seu país e foi para uma terra que ele
não conhecia. Rute primeiro rompeu os seus laços naturais com os seus pais, e
isso não foi fácil. Depois ela empreendeu uma viagem para fora de sua terra
natal, esse passo foi ainda mais doloroso. Esse rompimento se dá de dentro para
fora, é algo que somente Deus pode dar graça para que seja realizado. O que
sobressai no texto é que nada se fala de fé; tudo o que Rute fez foi por amor.
É claro que a fé existe e está pulsando aqui, porém é uma qualidade de fé que é
expressa pelo amor. Madame Guyon sempre dizia que uma grande fé sempre produz
um grande abandono, e é isso que vemos aqui, Rute abandona a si mesma para
seguir com sua sogra em rumo a uma terra que ela não conhecia. Aqui a
verdadeira fé é expressa através do amor singelo de uma mulher simples e fervorosa.
A qualidade desse amor de Rute por sua sogra não passou despercebida dos olhos
de Boaz que a todo tempo revela uma humanidade justa e veraz. Ele é aqui um
tipo perfeito de Cristo apreciando a Sua igreja peregrina!
“Disse ela: Tu me favoreces muito, Senhor
meu, pois me consolaste e falaste ao coração de tua serva, não sendo eu ainda
como uma das tuas servas” (Rt 2:13). Boaz havia dito: “O Senhor retribua o teu
feito”; Rute em nenhum momento teve em alta conta o que tinha feito à sua
sogra, para ela esse gesto foi espontâneo e natural. A benevolência de Boaz em
relação à Rute foi devido ao testemunho que ele ouvira a seu respeito, por isso
lhe disse: “bem me contaram...” (Rt 2:11). A atitude de Rute havia sido
elogiada pelas pessoas que se condoeram de Noemi. Rute não havia feito isso
para chamar a atenção de ninguém, porém a fragrância do seu amor rescendeu
naquela terra e todos ficaram impressionados com a sua solidariedade em relação
à Noemi. Por ela ser uma Moabita essa impressão foi maior.
Rute disse: “Tu me favoreces muito, Senhor
meu”; o coração casto de Rute estava desconcertado com os elogios de Boaz, para
ela tudo aquilo era muito mais do que ela realmente merecia. Já era muito para
ela que ele houvesse deixado que ela respigasse em seu campo, e ainda muito
mais do que isso falasse ao seu coração. Cercada de elogios que ela julgava não
merecer, apenas disse de si mesma que ela não era nem mesmo como uma das suas
servas. Esse quadro mostra a verdadeira face de Rute: a sua única preocupação é
ser submissa e nada mais. A glória de um elogio não pode ofuscar e nem
ensoberbecer um coração verdadeiramente submisso.
“À hora de comer, Boaz lhe disse: achega-te
para aqui, e come do pão, e molha no vinho o teu bocado. Ela se assentou ao
lado dos segadores, e ele lhe deu grãos tostados de cereais; ela comeu e se
fartou, e ainda lhe sobejou” (Rt 2:14). Mais uma vez podemos contemplar a
humildade de Rute. A parábola de Lucas 14:7-14 é uma porção da palavra que diz
respeito à maneira como não devemos aspirar pelos primeiros lugares.
Humanamente falando gostamos de ser bem recebidos e de ocuparmos os primeiros
lugares, porém o reino de Deus não é assim. Rute por ser humilde foi convidada
para assentar-se numa posição de honra ao lado de Boaz, e ainda foi sustentada
por ele. O texto deixa sobressair duas virtudes excelentes de Rute: o seu amor
e a sua humildade. Aqui a lição é clara: Quando a igreja se humilha aos pés de
Jesus, ela é apreciada, sustentada e louvada pelo Senhor!
“...E ele lhe deu grãos tostados de cereais;
ela comeu e se fartou, e ainda lhe sobejou” (Rt 2:15b). Aleluia! Os grãos não
eram crus, porém tostados pelo fogo. Todo alimento espiritual proveniente da
cruz é algo que necessariamente precisa passar pelo fogo. Quando um irmão
compartilha uma experiência dolorosa que teve com o Senhor, ele provê alimento
espiritual sólido para o corpo de Cristo. Todos são beneficiados pela
experiência do irmão; todos são edificados e fartos. Tal experiência é tão
proveitosa e rica que até mesmo sobeja. Os grãos enquanto estavam no campo eram
comuns, porém eles vieram para a mesa dos segadores, e além do mais foram
também tostados pelo fogo. Os grãos não apenas mudaram de posição (do campo
para a mesa), mas também mudaram de natureza (de crus para tostados), indicando
que o Senhor é o alimento que santifica a igreja, não apenas de forma
posicional, porém também de maneira disposicional. Através dessa singela
refeição de Rute recebemos um verdadeiro banquete espiritual. Aprendemos aqui
que através do arranjo soberano de Deus em nosso ambiente, o Espírito Santo nos
disciplina através de uma digestão espiritual adequada de Cristo mediante
“certos sofrimentos ordenados por Deus”, que tem por objetivo nos santificar de
maneira disposicional e nos conformar na própria imagem de Seu filho (Rm 8:
29). É Cristo Aquele que serve “grãos tostados” àqueles que são chamados
segundo a vontade do Pai, para que estes se alimentem e também alimentem os
membros de Seu corpo!
“Levantando-se ela para rebuscar, Boaz deu
ordem aos seus servos, dizendo: Até entre as gavelas deixai-a colher e não a
censureis” (Rt 2:15). Rute já havia desfrutado de um banquete farto, por isso
teve disposição para “levantar-se” e trabalhar. Aqui temos um princípio
espiritual: O “trabalhar” vem sempre depois do “desfrutar”. Então Rute pôde
trabalhar, mas não sem os “cuidados” de Boaz que deu ordens aos seus servos que
não a censurassem. “Deixai-a colher”! Quanta graça vemos nessas palavras.
Quando desfrutamos de Cristo e levantamo-nos para trabalhar em Seu “campo”, Ele
propicia tudo aquilo que iremos colher. Na verdade tudo o que colhemos nesse
“campo” é o resultado da obra consumada de Cristo; só precisamos ceifar os
cachos que já amadureceram como resultado da obra redentora de Cristo, pois
aqueles que foram dados pelo Pai ao filho, precisam ser apenas colhidos e nada
mais. Cristo já propiciou todas as coisas para o homem por meio da Sua obra
redentora, agora o trabalho delegado à Sua igreja é participar da Sua obra
colhendo aquilo que Ele já semeou e cultivou; sendo assim a Sua igreja é aquela
que colhe aonde ela não semeou (Jo 4:38).
“Tirai também dos molhos algumas espigas, e
deixai-as, para que as apanhe, e não a repreendais” (Rt 2:16). Rute trabalhou
naquele campo até a tarde (v.17), porém, nada do que conseguiu apanhar foi pela
sua própria capacidade. “Deixai-as, para que as apanhe”, o que Rute apanhou foi
algo totalmente gratuito. O seu trabalhar foi debaixo da graça de Boaz. Isso
significa que tudo o que a igreja faz deve ser proveniente da graça de Cristo;
por um lado a igreja “trabalha”, porém por outro lado ela apenas “colhe” aquilo
que Cristo já propiciou.
“Tomou-o e veio à cidade; e viu sua sogra o
que havia apanhado; também o que lhe sobejara depois de fartar-se tirou e deu a
sua sogra” (Rt2:18). Essa é a primeira vez que Rute dá de comer à sua sogra.
Noemi viu o quanto Rute fora abençoada em seu trabalho. Noemi desse dia em
diante estará segura por conta do arranjo soberano de Deus. Pois Deus não
apenas lhe assegurará o “pão” diário através de Rute, porém também lhe
assegurará uma família. Essa primeira colheita é apenas uma amostra do quanto
Deus ainda irá fazer por meio de Rute.
“Então, lhe disse a sua sogra: Onde colheste
hoje? Onde trabalhaste? Bendito seja aquele que te acolheu favoravelmente!” (Rt
2:19a). Noemi ainda não sabia o quanto Deus lhe tinha sido misericordioso. Já
era muito que alguém houvesse aceitado uma Moabita em seu campo, por isso Noemi
se exprimira dizendo que tal homem era “bendito” por tal acolhimento. Imagine a
expressão de surpresa no rosto de Noemi! Pois até aquele momento ela estava
suspensa quanto ao fato de Rute haver se dado bem em seu empreendimento. De
repente Rute chega cheia de alimento fresco e dá a sua sogra. Já era tarde
quando Rute chegou. Até aquele momento o coração de Noemi ainda estava
suspenso. Talvez a expressão de contentamento no rosto casto de Rute
denunciasse um futuro promissor. Essa impressão deixada no primeiro momento
talvez começasse a desanuviar o semblante cinzento e amargurado de Noemi. O
relato de Rute a respeito de sua aventura naquele dia surpreenderá o coração de
Noemi. Nem mesmo Rute sabia o que Deus estava lhe preparando. Daqui em diante
Noemi ao perceber a possibilidade de garantir o seu futuro e o de sua nora, deixa
transparecer toda a sua ardilosidade. Porém, Noemi será totalmente exposta em
seu “homem natural” e Deus mostrará que Rute é uma verdadeira filha de Abraão.
“E Rute contou a sua sogra onde havia
trabalhado e disse: O nome do senhor, em cujo campo trabalhei, é Boaz” (Rt 2:19b).
Ao ouvir aquele nome Noemi ficou extasiada. Rute não sabia de quem se tratava,
porém sua sogra abriu-lhe os olhos do coração: “Esse homem é nosso parente
chegado e um dentre os nossos resgatadores” (Rt 2:20b). Esse versículo é muito
categórico em afirmar que Boaz não era o único resgatador existente. Porém, ele
foi o único que assumiu a sua posição.
Rute ainda contou a sua sogra que Boaz havia
permitido que ela ficasse com os seus servos até que acabasse toda a sega (Rt
2:21). Assim Noemi foi sustentada durante toda aquela sega por Rute. Noemi
instou com Rute para que ficasse colhendo apenas no campo de Boaz, e assim Rute
procedeu até o fim da colheita. Por fim a colheita acabou e Rute ficou com a
sua sogra. É claro, a colheita havia acabado, mas não a esperança no coração de
Noemi, pois aquela “colheita” havia semeado em seu coração um plano. Ainda que
esse plano revelasse toda a fraqueza de uma mulher disposta a ver realizado o
seu sonho, ainda assim esse “plano” contribuiu para que a casta audácia de Rute
fosse revelada.
Aqui temos um quadro completo de como Rute
achou graça diante dos olhos de Boaz. Esse quadro é simples e singelo, não
devemos de maneira nenhuma tentar realçar a sua cor; tudo nesse quadro é
perfeito. O seu pano de fundo revela uma perspectiva perfeita em relação ao seu
destaque no primeiro plano. Nesse quadro não vemos Deus diretamente, porém O
vemos no semblante cheio de graça de Boaz ou ainda na submissão resoluta de
Rute; é assim que Deus aparece nesse quadro: Oculto no coração do homem!
A conversão de Rute
Em Rt 1:22 Rute é
descrita como aquela que “regressou dos campos de Moab”. Surpreende o uso do
verbo “regressar”. Ainda que se fale precisamente do regresso de Noemi a Belém
(partira de Belém e aí torna agora), utiliza-se o verbo “shuv”, “regressar”,
também para Rute. O verbo “shuv”, “regressar”, é a palavra-chave do capítulo 1
do nosso livro, onde se repete 12 vezes. Isso é muito significativo. Os
regressos de Rute e Noemi são assim muito diferentes. Também em 2:6, Rute é
apresentada a Boaz como aquela que “voltou com Noemi da terra de Moab”.
Ligando-se a Noemi, com um ato de afeto muito humano, de proximidade humana, de
solidariedade, Rute adere à aliança de Israel de modo que pode invocar o Deus
de Israel, como garante da sua fidelidade ao seu novo povo. Em 1:17 é revelada
a decisão resoluta e inequívoca de Rute em relação a crer no Deus de Israel. A
verdadeira conversão de Rute é ter se voltado da sua terra pagã e idólatra para
contemplar a face do Deus de Israel.
Em conclusão, Rute é aquela que se converte.
O que é a sua conversão? Diz-se que ela regressou dos campos de Moab (1:6,22,
2:6). Moabita, Rute é uma descendente de Ló: Moab foi o filho que Ló teve da
sua relação incestuosa com a sua filha mais velha (Gn 19:30-38). São muitas as
semelhanças entre os textos de Gênesis e Rute: Duas mulheres sem possibilidade
de descendência; as cenas acontecem de noite (Rt 3), depois de o homem ter
bebido (Rt 3:3,6), quando está deitado e sem ele se aperceber, uma mulher vem
para junto dele. Porém, é necessário ressaltar que as diferenças também são
notáveis. A filha mais velha de Ló toma a iniciativa, enquanto que Rute obedece
a Noemi; Rute não embebeda Boaz, foi ele que bebeu e depois adormeceu. A filha
de Ló consuma a relação sexual, ao contrário de Rute que se limita a despir-se
e colocar-se junto de Boaz. Esse quadro nos mostrará algo surpreendente: a
conversão de Rute foi plena e total. Rute aqui se torna uma atriz num cenário
criado por Noemi; o que Noemi não imagina é que Rute não repetirá a mesma
façanha dos seus ancestrais; ao contrário disso, ela se mostrará íntegra e como
resultado se vinculará ao Deus que chamou em Abraão uma descendência celestial.
A casta audácia de Rute expõe o “homem natural” de Noemi
Quando Boaz acorda Rute lhe dirige um pedido
de casamento, enquanto Noemi queria induzi-la a unir-se sexualmente a Boaz. Em
Rt 3:3-5, é clara a intenção de Noemi de usar Rute para seduzir Boaz, de levá-la
a deitar-se com Boaz. Noemi diz-lhe para agir despercebidamente, para desfrutar
assim da sua superioridade, o fator surpresa: Boaz não aprovaria que ela se
achegasse a ele sob a sua tenda, mas- assim raciocina Noemi- , se Boaz for
apanhado de surpresa, depois de ter comido e bebido, se despertar do sono e
encontrar aquela mulher “disponível” junto dele, então não conseguirá decerto
desistir: “Ele mesmo te dirá o que deves fazer” (Rt 3:5).
De certo modo, Noemi parece reproduzir, ela,
a filha de Israel, a mulher de Belém, o comportamento da filha de Ló de quem
nasceu Moab, o que quer dizer que os comportamentos desastrados ou maldosos ou
desonestos ou abusivos não têm pátria. Noemi sugere um agir astuto para obter
uma casa de Boaz através de Rute e poder assim ter um descendente que não
pudera ter dos seus dois filhos e poder ser sustentada pelo resto da vida. Rute
é uma atriz num cenário preparado por Noemi, mas, na sua obediência, Rute
afasta-se das indicações de Noemi, não usa de astúcia e engano, mas de
discrição, respeito e inteligência. Rute terá um filho, mas depois do casamento
com Boaz (Rt 4:13). É essa a conversão de Rute: uma filha de Ló torna-se filha
de Abraão. E repito Rute não age com engano ou com prostituição (como Tamar,
que se finge prostituta para se unir com Judá, de quem era nora e a quem Judá
não tinha querido dar o seu filho em casamento, desrespeitando assim o costume
do levirato) (Gn 38:26). É interessante notar que o filho que nasce da união de
Judá com a sua nora era Perez, isto é, a personagem de quem parte a
descendência de Davi em Rt 4:18. Rute revela-se justa e, sobretudo, mostra que
a sua conversão ao Deus de Israel, passa através da sua afeição a uma pessoa, a
Noemi. Passa através de uma vivência humaníssima de amor.
Vimos que o “homem natural” de Noemi foi
exposto completamente através da casta audácia de Rute. Quando estamos em
comunhão com a “igreja” todo o nosso ser natural é exposto: ainda que tentemos
camuflar as nossas fraquezas e limitações, sabemos no Espírito quem nós somos
realmente!
Olhando abaixo Da
Superfície:
O amor de Rute cobre
Toda fraqueza de Noemi
O capítulo 3 de Rute não é fácil de entender.
Precisamos de uma iluminação adicional do Espírito para que os nossos olhos
possam ver as riquezas ocultas nessa parte da palavra. Já vimos que Noemi e as
sua “maneira natural de querer fazer as coisas” não cumprem a economia de Deus.
Por um lado vemos o anseio profundo de Noemi em querer ajudar Rute a ter um
filho de Boaz; porém, por outro lado vemos que a sua intenção e o seu “modus
operandi” é de acordo com o homem natural. Disse-lhe Noemi: Minha filha, não
hei de eu buscar-te um lar, para que sejas feliz? (Rt 3:1). Daqui até o
versículo 5 Noemi segue com o seu plano que, ela mesma, julga ser muito lógico.
Rute sendo casta em seu coração nem sequer percebe a astúcia de sua sogra. O
amor de Rute em relação à Noemi é cego, é um tipo de amor que “tudo crê”. Talvez
por Rute ser uma “Moabita”, Noemi pensou que a ela fosse fácil agir com
malícia. Porém, Rute ao nem desconfiar das intenções maliciosas de Noemi,
provou que o seu caráter era virtuoso e o seu coração era puro.
Ao que Rute depois de ter ouvido atentamente
a sua sogra disse: “Tudo quanto me disseres farei” (Rt 1:5). E ainda o
versículo 6 reforça o caráter puro e submisso de Rute: “Então, foi para a eira
e fez conforme tudo quando sua sogra lhe havia ordenado”. A impressão que temos
é que Rute cumpriu tudo o que Noemi lhe havia ordenado, porém, quando olhamos
abaixo da superfície percebemos que a desenvoltura de Rute foi muito mais
virtuosa. É interessante notar que o texto bíblico não expõe de maneira
explícita a malícia de Noemi e nem a condena. Realmente essa é a palavra de
Deus. A razão disso é que o Espírito de Deus quer nos mostrar que o amor puro
de Rute encobriu toda a mancha de malícia existente em Noemi. Deus é soberano
sobre as nossas fraquezas, e é certo que “todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus, e que são chamados segundo o seu propósito” (Rm
8:28).
Além do mais, apesar do agir natural de
Noemi, ainda assim é necessário dizer que “o seu plano” deu certo. “Todas as
coisas cooperam” e isso independe se sejam certas ou erradas. Não quero abrir
aqui uma comporta para a licenciosidade, apenas estou afirmando que Deus é
soberano.
O fato de Rute ter se esquivado das intenções
subtendidas de Noemi, se deve ao fato de que Rute agiu de acordo com o impulso
divino em seu coração. Todo o agir honesto de Rute e sem malícia fez com que as
intenções desonestas de Noemi fossem expostas. Porém, o próprio livro de Rute
não expõe abertamente essa fraqueza de Noemi. É através do agir virtuoso e
honesto de Rute que nós contemplamos a verdadeira face de Noemi. Isso significa
que sem o agir de Rute as manchas que estão em Noemi ficam ocultas. Quando
contemplamos o agir de Rute, então uma grande medida de luz é lançada e as
sombras que estão em Noemi são projetadas num quadro à parte, e então podemos
ver.
Em 3:16 Noemi pergunta: “Como se te passaram
as coisas, filha minha? E então Rute passa a contar a sua sogra o quanto Boaz
lhe foi generoso. E disse ainda: estas seis medidas de cevada, ele mas deu e me
disse: Não voltes para tua sogra sem nada” (v.17). A bíblia não diz, porém
penso que Noemi ficou bastante surpresa com Rute e Boaz. Boaz a surpreendeu
pela sua integridade e generosidade e Rute pela sua postura e discrição. Aqui
Noemi ficou clara que o seu julgamento estava errado e as suas suspeitas em
relação à Rute eram infundadas. Talvez, até compreendesse agora o porquê Deus
permitira que seus filhos casassem com mulheres gentias.
“Então, lhe disse Noemi: Espera, minha filha,
até que saibas em que darão as coisas, porque aquele homem não descansará,
enquanto não se resolver este caso ainda hoje” (Rt 3:18). Por fim Noemi
percebeu que o Senhor estava encaminhando todas as coisas. Sendo assim
aconselhou Rute a “esperar” em vez de agir com precipitação. O coração de Noemi
agora descansa. Deus mostrou a Noemi que Ele é Deus. O coração de Noemi
descansa porque “aquele homem não descansaria” enquanto não resolvesse aquele
caso. Esta é a última fala de Noemi neste livro, e este falar indica o quanto
Noemi aprendeu com a sua experiência. A fé de Noemi havia sido fortalecida e
agora ela podia descansar; ela crera que o arranjo de Deus havia de ser cumprido.
Antes que ela segurasse “Obed” em seus braços, Deus permitiu que ela passasse
por grandes amarguras e sofrimentos até que o seu ser natural fosse totalmente
quebrado e exposto, e chegasse à conclusão de que os “planos de Deus são
infalíveis e jamais podem ser frustrados” (Jo 42:2). Que possamos através da
experiência de Noemi afirmar que “Deus em Cristo não descansará até que Ele
mesmo tenha a sua obra-prima acabada: A imagem de Seu Filho Jesus Cristo
formada plenamente em nós” (Rm 8:29).
Algumas
Considerações
Adicionais
Quando Boaz acorda Rute lhe dirige um
pedido de casamento, pedindo que ele estendesse a sua capa sobre ela, pois ele
era o seu resgatador. Boaz sendo já de idade avançada elogia a benevolência de
Rute, sendo esta maior que a primeira, pois ela não foi após nenhum jovem da
sua idade, quer fosse pobre ou rico. Isso prova que o interesse de Rute não era
satisfazer a si mesma, e sim resgatar a terra que pertencia a seu sogro
Elimeleque e suscitar a sua descendência sobre a terra. Aqui vemos que há duas
coisas que é do interesse máximo de Deus: O HOMEM E A TERRA.
Em Gênesis 1:26 o propósito original de Deus
para o homem era que este “dominasse sobre toda a terra”. Aqui “toda a terra”
estaria sob a jurisdição do homem; essa é a vontade primordial de Deus. Agora
será que a vontade de Deus mudou? Acaso Deus não é o mesmo ontem , hoje e eternamente?
(Hb 13:8). Posteriormente quando Deus chamou Abraão, baseado na aspiração
genuinamente humana de Abraão de ter filhos e terras que pudesse cultivar, Deus
revelou o seu propósito: gerar muitos filhos à imagem de Seu filho e levá-los à
glória (Hb 2:10), e estabelecer Seu reino eterno aqui na terra (Mt 6:10). A bíblia
parece às vezes ser contraditória, pois se a vontade de Deus é que o homem que
Ele criou domine sobre “toda a terra”, porque então Ele promete a Abraão apenas
uma porção da terra? Deus disse a Josué: “Todo lugar que pisar a planta do
vosso pé, vo-lo tenho dado...” (Js 1:3). A questão aqui é que a planta do pé de
Josué tinha um limite para pisar. A terra estava delimitada pelos seus limites.
Mas, a vontade de Deus não era dar toda a terra para o homem? Porque então Deus
delimitou um espaço para o homem dominar? A razão disso não é que Deus tenha
mudado o seu propósito original, e sim que o significado dessa porção de terra
dada ao homem é espiritual. Ela representa o penhor do Espírito dado como
antegozo da plenitude que desfrutaremos na manifestação do reino. De acordo com
gálatas 3:14 o Espírito prometido a Abraão é a benção do evangelho, e de acordo
com Efésios 1:14 Ele é o penhor da nossa herança, até ao “resgate da sua
propriedade”, em louvor da sua glória. Em suma: essa terra tipifica o Espírito
todo-inclusivo que se nos tornou a benção do evangelho em que cremos, e que
hoje está mesclado ao nosso espírito humano (1Co 6:17) para nos fazer
participantes da glória revelada no evangelho na face de nosso Senhor Jesus
Cristo (2Co 4:6). Aleluia! Essa é a nossa porção em Cristo!
Ap 11:15 diz que o reino do mundo se tornará
de nosso Senhor e do Seu Cristo. Aqui será o tempo em que o homem reinará e
dominará sobre “toda a terra”. Se Deus determinou que o homem reinará, então
certamente ele reinará. Aleluia!
Ao falar sobre a aspiração pura de Rute foi
necessário coadunar a sua aspiração genuinamente humana com o propósito de
Deus. Pois, Deus sempre se revela através do homem e isso nunca mudará.
Boaz elogia também a virtuosidade de Rute.
“Não tenhas receio” diz a ela, pois “tudo quanto disseste eu te farei” (Rt
3:11). Boaz se dispõe, no que depender dele que redimirá a terra do falecido e
ainda desposará Rute.
Havia um “parente mais achegado”, porém Boaz
deixa claro à Rute que se ele não quisesse resgatá-la, ele a resgataria “tão
certo como vive o Senhor” (Rt 3:13). Ao dizer que ele consultaria o outro
parente “mais chegado” Boaz mostrou-se ser um homem muito justo.
A expressão “ficou-se, pois, deitada a seus
pés até pela manhã e levantou-se antes que pudessem conhecer um ao outro” (Rt
3:14), revela que eles não tiveram nenhum contato sexual antes do casamento,
pois a palavra “conhecer” é um eufemismo da palavra “coito”. Em Mt 1:25 é usado
o mesmo eufemismo ao afirmar que José “não a conheceu” (Maria) enquanto ela não
deu a luz um Filho. “Porque ele disse: não se saiba que veio mulher à eira”. A
proteção de Boaz em relação à Rute é plena e total: ele não queria que ela
fosse difamada. Ele realmente era um homem justo.
Boaz ao despedir de Rute lhe dá seis medidas
de cevada para que ela levasse à sua sogra (Rt 3:15,17). Recebemos luz do
Senhor para vermos que Noemi representa o homem natural. Boaz aqui é um tipo de
Cristo. O número seis representa o homem, e a cevada por ser o primeiro cereal
a ser ceifado em Israel representa a vida de ressurreição. O fato de Boaz ter
deixado a cargo de Rute levar essas seis “medidas de cevada” à Noemi é muito
significativo. Todas as coisas que foram escritas na bíblia, “foram escritas
para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos séculos tem
chegado” (1Co 10:11). Talvez, Noemi não soubesse o significado dessas “seis
medidas de cevada”, mas nós cristãos neotestamentários podemos investigar essa
riqueza. O significado espiritual é que por meio da “igreja” Cristo canaliza
todo o suprimento abundante do Espírito para os membros do seu corpo (Fl 1:19).
O fato de Noemi ter uma mancha oculta em sua alma, mostra que ela precisava ser
suprida em seu “ser interior” pela vida de ressurreição de Cristo.
Boaz:
“A força amansada”
De acordo com o texto original em Rt 2:1 a
expressão usada para definir Boaz é: “Ish Ghibbor” que significa “homem forte”.
Essa expressão habitualmente designa um guerreiro. E, além do mais, essa
definição coaduna com a época belicosa e turbulenta dos juízes. O próprio nome
de Boaz significa “neste está a força”. Mas esta não é a força com a qual os
juízes, naquela época garantiam o futuro de Israel. É em vão procurarmos aqui
uma força de Sansão. Pois, a despeito da força que havia nos homens, ainda
assim não havia um rei e todos faziam o que achavam “mais reto” aos seus
próprios olhos (Jz 21:25). A força que estava em Boaz era uma força “amansada”,
“moderada”, era uma força de bondade e retidão, de respeito e humanidade.
Estamos perante o moderado, o que
nomeadamente amansa a própria força, para não prevaricar e dar espaço aos outros.
Quando Boaz dá instruções aos seus servos para que sejam deixadas espigas por
ceifar para Rute, a sua generosidade ao dar-lhe alimento, o seu reconhecimento
do que Rute havia feito por sua sogra desconsolada, portanto a sua empatia, a
sua capacidade de ver e reconhecer o bem praticado pelo outro, o seu respeito
também pelo homem que teria precedência para usar o direito de resgate, e ainda
a sua firmeza e inteligência ao ampliar o alcance do uso legal do resgate,
acrescentando-lhe também o casamento por levirato como norma humana, portanto,
como o que é necessário nesta situação em que se tratava de vir em ajuda de
Rute e também de Noemi, tudo isso faz de Boaz um exemplo de moderação, fruto de
“força amansada”. Sendo assim Boaz é um tipo perfeito de Cristo.
Boaz é da linhagem de Judá: a tribo da
realeza (1Cr 2:12). Uma das colunas no pórtico do templo edificado por Salomão
foi chamada “Boaz”! (1 Rs 7:21). Com certeza, Boaz foi uma verdadeira coluna na
economia de Deus.
Vimos também que Rute não se utiliza de
engano e nem de estratagemas para obter aquilo que deseja, mas se move com
respeito, discrição e amor. Não admira que o filho que Rute terá de Boaz venha
se chamar “Obed”, servo. Cristo que virá dessa genealogia será o verdadeiro
servo de Deus e de seus irmãos. Tanto Rute como Boaz abriram caminho para que o
próprio Deus pudesse encarnar-se num homem chamado “Jesus” que se tornou o
salvador de todos os homens. Esse é um caminho para Cristo. A verdadeira força
é tornar a autoridade em serviço autêntico em prol dos homens. Essa foi a
verdadeira obra de Jesus: servir os “homens”!!
A lei é humanizada
Por Boaz
Duas leis são interpretadas e “humanizadas”
de modo inédito no livro de Rute. O “levirato” e o direito de “resgate”. O
parente mais próximo era o “go’el” (resgatador), aquele que deveria adquirir o
terreno do falecido para evitar a dispersão da herança. Aqui, trata-se do campo
de Elimeleque (Rt 4:2-4). Esta lei de acordo com a ordenação de Deus não previa
o casamento com a viúva sem filhos (cf.Lv 25:48-49 afirma que o dever da parte
do “go’el” (resgatador) era adquirir os terrenos do patrimônio familiar, e nada
afirma que ele deveria também desposar a viúva sem filhos). A lei do levirato
(a que se faz referência evidente em Rt 1:11-13) previa que o irmão de um homem
morto, casado e sem filhos, se unisse a viúva e lhe desse um filho, que se
tornaria filho do falecido, para que o seu nome não se perdesse, para dar
continuidade à sua estirpe pela linha masculina. As duas leis, que eram
distintas, são unidas por Boaz ao fazer o contrato, à porta da cidade, com o
parente que o precedia no direito de resgate. A lei do “levirato” e a lei do
“resgate” são unificadas por Boaz, e isso é uma atitude inédita em todo o velho
testamento. A maneira como Boaz interpreta a lei revela o seu coração alargado
e a sua humanidade virtuosa. Não é por acaso que ele fala de Elimeleque como “nosso
irmão” em Rt 4:3. Boaz argumenta que se apenas resgatasse o campo que pertencia
ao falecido e não levasse em consideração encarregar-se de Rute e dar uma
“descendência” ao “nosso irmão” (como ele mesmo diz), seria admitir uma lacuna
ética que também merecia ser observada. Justamente por causa da natureza da
proposta de Boaz, o parente mais próximo faz dois cálculos lógicos e dá-se
conta de que, se concorda em comprar o campo e, depois também em desposar Rute,
a propriedade legal do campo caberá ao filho que Rute terá e que será herdeiro
legal de Malom e de Elimeleque. Portanto, não lhe convém pagar por um campo
que, um dia mais tarde, os filhos de Rute poderão pretender dele como herdeiros
legais do falecido marido de Rute. A interpretação dessas leis por Boaz
surpreende-nos pela associação do dever humano com o dever ético. Sendo assim,
Boaz dá provas de ser um homem íntegro e reto, sendo também, totalmente
qualificado para ser um tipo perfeito de Cristo.
Boaz
vai muito mais além da lei que lhe impõe o direito de resgate e, embora não
sendo obrigado, porque ele não era “irmão” do falecido (embora o considerasse
como “irmão” por uma questão humana, moral e ética), pretende casar com Rute
para dar uma descendência a Malom, filho de Noemi e de Elimeleque. Boaz não é
um “legalista” que age somente em detrimento da lei estabelecida, ele vai muito
além dessa lei, com o fim de ser generoso e perpetuar uma descendência que
poderia ter ficada no túmulo se ele não houvesse sido tão misericordioso e
humano. Boaz interpretou a lei não de acordo com a letra gravada em pedras, e
sim com o seu espírito humano alargado e com o seu coração generoso. Boaz numa
época turbulenta em que todos faziam o que achavam “mais reto aos seus próprios
olhos” (Jz 21:25) , pela fé, agiu em conformidade com a lei interior do
espírito e foi capaz de amar o próximo a ponto de humanizar as leis divinas e
cumprir através da “lei do amor” a verdadeira essência dos mandamentos: pois
quem ama o próximo tem cumprido a lei (Rm 13:8).
O verdadeiro caminho para Cristo é quando a
justiça se torna humana. Essa é a base da encarnação. Em Cristo a justiça se
revestiu de carne. Isso é maravilhoso! Fisicamente falando Cristo tornou-se a
nossa justiça objetiva na cruz, e como o “Espírito que dá vida” ele se tornou a
nossa justiça subjetiva em nosso espírito (1Cor 1:30, 6:17). Aleluia! Ele é a
nossa veste exterior a nos cobrir e nossa veste interior também! É o nosso
substituto na cruz que morreu em nosso lugar, e também o Cristo-Espírito que
vive em nós em nosso espírito (1Co 6:17) Aleluia!
A lei humanizada por Boaz reflete o mistério
da encarnação de Cristo: a própria justiça se revestiu de carne (Jo1:14) à
“semelhança” (porém sem pecado em si) da
carne pecaminosa (Rm 8:3) afim de que fosse condenada nessa “carne sem pecado”
a injustiça e o pecado do homem. Isso é maravilhoso!
Uma práxis de humanidade
Um último elemento que desejo frisar no livro
de Rute, o qual é transbordante no livro, é a humanidade dos protagonistas.
Sobretudo a humanidade de Boaz e Rute que ousam um amor apesar dos
impedimentos. Rute, cujo nome significa “a amiga”, é aquela que se liga por
afeto a uma pessoa, a outra mulher, e a segue por onde quer que ela vá. E
tornar-se-á uma benção para ela. Tudo isso dentro da mais pura discrição e
humanidade.
O encontro de Boaz e Rute na eira (Rt 3) é
sem dúvida uma obra-prima divino-humana nas escrituras sagradas. É divina por
sua inspiração subliminar e ao mesmo tempo genuinamente humana em sua natureza.
No livro de Rute percebemos que o caminho para Cristo é totalmente humano. Esse
caminho para Cristo é visto não na cena pública, de modo estrondoso, clamoroso,
mas no segredo, nos corações, ali onde se verifica um encontro na
transparência, na simplicidade e na verdade.
Esta humanidade torna-se solidariedade
gratuita e fecunda. É uma humanidade que gera Cristo. Rute faz o bem a Noemi
que fica sempre um pouco às costas de Rute, que é a heroína da história mesmo
que Noemi esteja muitas vezes na sua sombra a dar sugestões e a tecer a trama.
Talvez, no princípio dos acontecimentos, Noemi nem conceda muita importância a
Rute, e pareça não lhe dar o reconhecimento adequado. Em Rt 1:19-22, Noemi,
regressada ao seu país, lamenta-se do seu destino, repete que partiu cheia e
voltou vazia, esquecendo a presença de Rute junto de si. Porém, o seu vazio, o
vazio que a atormenta, é o vazio dos filhos: não por acaso, quando Rute, mais
tarde, tem um filho, as mulheres de Belém que tinham acolhido Noemi no seu
regresso exclamarão: “Nasceu um filho à Noemi” (Rt 4:17). Aqui vemos que a
necessidade de “filhos” é genuinamente humana, e que essa necessidade reflete
também o desejo de Deus.
Em Rt 4:14-15 lemos: “Então, as mulheres
disseram a Noemi: Seja o Senhor bendito, que não deixou, hoje, de te dar um
neto que será teu “RESGATADOR” , e seja afamado em Israel o nome deste. Ele
será “RESTAURADOR” da tua vida e “CONSOLADOR” da tua velhice, pois tua nora,
que te ama, o deu à luz, e ela te é melhor do que sete filhos.” Essa porção da
palavra é maravilhosa! A imagem de Boaz qual aquele que exerceu o direito de
“resgate” é passado agora ao filho tido por Rute, que se torna o resgatador de
Noemi. Obed, “o servo” é um tipo de Cristo na qualidade de “servo obediente”
que veio a terra para RESGATAR, RESTAURAR e CONSOLAR os homens. Isso é maravilhoso!
Rute não é referida por si mesma, mas em
função de ter dado um filho à Noemi. Por isso ela é referida como aquela que
“ama” a Noemi (Rt 4:15), não com amor fingido ou egoísta, e sim com um amor
gratuito que mesmo depois de ter tido o filho, estava pronta a entregá-lo para
que Noemi cuidasse dele (Rt 4:16). Rute cuidou, amou e curou Noemi através do
seu amor genuinamente humano. Esse é o tipo de humanidade que gera Cristo. Essa
história, por certo verídica e humana, não nos abre um horizonte para a
humanidade de Jesus de Nazaré, um humilde carpinteiro, no qual é revelado Deus?
Não é de se admirar que Deus com apenas uma palavra criasse mundos e galáxias,
e bilhões de itens no universo, no entanto, demorou trinta e três anos e meio
para edificar-se como um homem normal entre os homens? Aqui fica claro que o
maior milagre em todo o universo é o: HOMEM!!